DIREITO CIVIL I – PARTE GERAL
LIVRO I
DAS PESSOAS
I – PRINCÍPIOS BÁSICOS DO NCC/2002
a) Princípio da socialidade – o novo código civil se preocupou bastante com os direitos sociais, abandonando o individualismo existente no código anterior. Podemos citar o art. 421, que diz que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
b) Princípio da eticidade – o novo código deu mais valor à ética e à boa-fé. É o que estabelece, por exemplo, o art. 422: “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. O novo código, prestigiando a eticidade, ampliou os casos em que o juiz pode decidir por equidade.
c) Princípio da operabilidade (ou praticidade) – o novo código civil passou a enfrentar questões tidas pelo sistema anterior como omissas, e que necessitavam de interpretação da doutrina e da jurisprudência. Era o caso, por exemplo, da venda de bens entre pai e filho, na qual o CC/16 dizia ser imprescindível a anuência dos demais filhos, sem dizer sobre os efeitos da inobservância dessa regra. Hoje, diz o CC/02 que o ato pode ser anulado caso as formalidades não sejam obedecidas. Outra questão é a relativa ao nome da pessoa, matéria regulada pela lei 6.015, na qual estava previsto que o nome era composto do prenome e do patronímico, sendo que a expressão “sobrenome” não constava da lei. Hoje o CC/02 passou a regular tal matéria, dizendo que o nome é composto do prenome e sobrenome. Podemos ainda citar a questão referente aos prazos, pois não se sabia se determinado prazo era prescricional ou decadencial. Hoje, os prazos constantes dos arts. 205 e 206 são prescricionais e o que ali não estiver é prazo decadencial.
II – PESSOA NATURAL
1. CONCEITO E CAPACIDADE
Pessoa natural é o ser humano considerado como sujeito de direitos e obrigações, e para ser considerado pessoa basta existir, ou seja, nascer com vida, oportunidade em que adquirirá personalidade, que é a aptidão para contrair direitos e obrigações. A pessoa existe a partir do momento em que respira, não precisando ter forma humana, ou que seja cortado o cordão umbilical (teoria natalista).
O art. 1º disse “toda pessoa”, substituindo a expressão “todo homem”, constante do código anterior, razão pela qual se excluem os animais etc. da possibilidade de aquisição de direitos e deveres. A capacidade referida neste dispositivo é a de adquirir direitos (capacidade de direito), sendo assim um recém-nascido ou um louco já adquire direitos, podendo, portanto, herdar, todavia, para exercer os direitos adquiridos, necessita ser representado, suprindo-se sua incapacidade de exercício. Sendo assim, podemos dividir a capacidade em duas:
a) Capacidade de direito (ou de gozo) – é a capacidade de aquisição de direitos, que todos têm. O art. 1º trata exatamente desse tipo de capacidade, bastando nascer com vida para adquiri-la (basta respirar).
b) Capacidade de fato (ou de ação) – é a capacidade de exercício, ou seja, se uma pessoa quiser exercer seus direitos, necessário que tenha capacidade para tanto, e caso não tenha, deve ter essa capacidade suprida.
O art. 1º, ao proclamar que toda “pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”, entrosa o conceito de capacidade com o de personalidade.
Tem capacidade plena aquele que reúne ambas as capacidades; tem capacidade limitada aquele que possui apenas a capacidade de direito. Para o código, quem tem capacidade limitada é incapaz, muito embora todos tenham capacidade de direito. Sendo assim, podemos dizer que no direito brasileiro não existe incapacidade de direito, mas apenas de fato.
Incapaz é a pessoa que não pode exercer seus direitos, ou seja, o incapaz não possui capacidade de exercício. Esta é a única incapacidade que existe, já que, nos termos do art. 1º, a capacidade de adquirir direitos todos têm (capacidade de direito).
Incapacidade é a restrição legal ao exercício dos atos da vida civil. Não se confunde com falta de legitimidade, que é a restrição para o exercício de um determinado ato, como, por exemplo, no caso do pai que para vender um bem ao filho, necessita do consentimento dos demais. Se ele não obtiver o consentimento expresso, não terá legitimidade para o ato, apesar de ser plenamente capaz de exercer os atos da vida civil. Sendo assim, podemos dizer que a capacidade de exercício é genérica (ou a pessoa tem ou não tem); por outro lado, para sabermos se a pessoa tem ou não legitimidade necessitamos de um complemento, ou seja, necessário que se pergunte para que.
O sistema da incapacidade é uma regra de proteção aos incapazes, sendo que em vários dispositivos constata-se a intenção do legislador em protegê-los (ex: tutela, poder familiar e outros). Todavia, nesse sistema não está incluído o benefício de restituição (restitutio in integrum) que é a possibilidade de se anular um negócio jurídico válido, realizado em benefício do menor, por seu representante ou assistente, no qual se verifica, posteriormente, que o melhor para o menor era, por exemplo, que o imóvel não tivesse sido vendido. Esta possibilidade existia no direito romano e nas ordenações portuguesas. No Brasil nunca se admitiu tal benefício e o CC/16 havia norma expressa nesse sentido (art. 8º). O novo código não se preocupou com essa situação por não seguir as tradições romanas e por se tratar de uma proibição lógica.
2. ESPÉCIES DE INCAPACIDADE
2.1. Incapacidade Absoluta (art. 3º)
A incapacidade absoluta acarreta na total proibição da prática de todo e qualquer ato da vida civil, sob pena de nulidade, nos termos do art. 166, I. Todavia, não se pode alijar os absolutamente incapazes do mundo jurídico, razão pela qual a lei criou um instituto através do qual sua incapacidade é suprida, qual seja: a representação.
Na representação o incapaz não participa do ato, que é praticado somente por seu representante. Distingue-se, portanto, da assistência, em que se reconhece ao incapaz certo discernimento e, portanto, ele é quem pratica o ato, mas não sozinho, e sim acompanhado, isto é, assistido por seu representante. Se o ato consiste, por exemplo, na assinatura de um contrato, este deverá conter a assinatura de ambos. Na representação, todavia, somente o representante do incapaz assina o contrato.
Os absolutamente incapazes são:
a) Menores de 16 anos – são os chamados menores impúberes, ou seja, que ainda não atingiram a puberdade (não possuem maturidade para participar da atividade jurídica). A incapacidade abrange as pessoas dos dois sexos.
b) Os que não podem exprimir sua vontade, mesmo que por causa transitória – abrange as pessoas que não puderem exprimir sua vontade, ainda que por causa transitória, ou em virtude de alguma patologia (arteriosclerose, paralisia, embriaguez não habitual etc.). Não significa que se vá interditar alguém por causa transitória, pois o art. 1.767, II (trata das pessoas sujeitas a curatela) só se refere aos que, por causa duradoura, não puderem exprimir sua vontade. Vale dizer, todavia, que os ébrios habituais (alcoólatras) e os viciados em tóxicos (toxicômanos) são considerados relativamente incapazes (art. 4º, II), como se verá. No presente caso, no entanto, é nulo o ato jurídico praticado por pessoa de condição psíquica normal, mas que se encontrava completamente embriagada no momento em que o praticou e que, em virtude dessa situação transitória, não se encontrava em perfeitas condições de exprimir sua vontade.
c) Os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento – compreende todos os casos de insanidade mental, permanente e duradoura, caracterizada por graves alterações das faculdades psíquicas. Incluiu a expressão “ou deficiência mental” porque na enfermidade propriamente dita não se contém a deficiência mental. A lei não deixa de estabelecer uma gradação necessária para a debilidade mental, ao considerar relativamente incapazes os que, “por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido”, nos termos do art. 4º, referindo-se aos fracos da mente (ou fronteiriços). O dispositivo ora analisado abrange tanto as pessoas que já nasceram com a deficiência mental como aquelas que a adquiriram em vida. Eram chamados, pelo CC/16, de loucos de todos os gêneros. O sistema do código não objetiva punir os loucos, mas sim protegê-los, dando-lhes curador. Quando uma pessoa é reconhecida louca, ela perde a disponibilidade dos bens. E, nesse sentido, para que as pessoas não sejam declaradas loucas por qualquer motivo, criou-se um procedimento próprio, que é a interdição.
ð Interdição – é um procedimento de jurisdição voluntária, previsto a partir do art. 1.177 do CPC, cujo objetivo é avaliar a incapacidade da pessoa. A interdição pode ser requerida por qualquer parente (o código anterior dizia que eram apenas os parentes próximos) ou pelo Ministério Público. Aquele que se submete ao procedimento é chamado de interditando, devendo o juiz determinar sua citação (pode acontecer de o interditando não entender o que é a citação, mas ela é exigida, garantindo a oportunidade de defesa; no sistema anterior não havia citação). Se a pessoa for louca a citação se dá na pessoa de um parente. Com o sem resposta do interditando, a primeira providência do juiz é a nomeação de um médico (há nulidade do processo se não houver esta nomeação), que apresentará um laudo. Se o juiz reconhecer a incapacidade do réu, deve declarar o motivo. A segunda providência do juiz é o exame pessoal do interditando. Ouvem-se testemunhas, há parecer do Ministério Público e sentença. Se esta reconhecer a incapacidade (o interditando passa a se chamar de interdito), na mesma oportunidade deve-se nomear curador, de acordo com o CC/02, que já exerce suas funções antes do trânsito em julgado. Deve ser dada publicidade à sentença, publicando-a em jornal local (se houver) por 3 vezes e no órgão oficial. Nos termos dos arts. 9º, III do CC e 92 da LRP, a sentença deve ser registrada no Cartório do 1º Ofício do Registro Civil. Como a sentença é meramente declaratória, pois ela não constitui a incapacidade, não há como se declarar a nulidade de um negócio jurídico realizado com o louco, antes da interdição, se o terceiro estava de boa-fé (segundo a jurisprudência, se a loucura não era notória). Todavia, é nulo o ato praticado pelo enfermo após sua declaração de interdição.
ð Intervalos lúcidos – a nossa lei não admite os chamados intervalos lúcidos. Assim, declarado incapaz, os atos praticados pelo privado de discernimento serão nulos, não se aceitando a tentativa de demonstrar que, naquele momento, encontrava-se lúcido. É que a incapacidade mental é considerada um estado permanente e contínuo. Por fim, vale lembrar que a velhice (ou senilidade), por si só, não é causa de limitação da capacidade, salvo se motivar um estado patológico que afete o estado mental.
2.2. Incapacidade Relativa (art. 4º)
Os relativamente incapazes podem praticar atos da vida civil, desde que assistidos pelos representantes, ou seja, eles praticam atos em nome próprio, mas com a ajuda do representante. Não havendo assistência o ato é anulável (art. 171, I). Vale lembrar que há situações em que os menores púberes (maiores de 16 anos e menores de 18) podem praticar atos sem assistência, como no caso da celebração de testamento, aceitação de procuração, ser testemunha, casar (precisa de autorização e não assistência), ser eleitor, dentre outros.
Quanto à responsabilidade dos incapazes, vale dizer que, em regra, são civilmente irresponsáveis. Todavia, nos termos do art. 928, eles possuem, excepcionalmente, responsabilidade subsidiária, ou seja, primeiramente deve-se acionar o representante, e caso este não possua condições de pagar a indenização, a responsabilidade é transferida ao incapaz. Ainda assim, pelo parágrafo único daquele dispositivo, a responsabilidade além de subsidiária também é mitigada, pois a indenização será eqüitativa e somente terá lugar se não privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem.
Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes.
Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser eqüitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem.
São relativamente incapazes:
a) Menores de 18 e maiores de 16 anos – são os menores púberes que, como vimos, podem praticar certos atos sem assistência. Todavia, não se tratando dessas exceções, necessitam de assistência, sob pena de anulabilidade do ato, se o lesado tomar providências nesse sentido e o vício não houver sido sanado. Se, entretanto, ocultarem dolosamente a sua idade ou espontaneamente declararem-se maiores, no ato de se obrigar, perderão a proteção que a lei confere aos incapazes e não poderão, assim, anular a obrigação ou eximir-se de cumpri-la (art. 180). Exige-se, no entanto, que o erro da outra parte seja escusável. Se não houve malícia por parte do menor, anula-se o ato, para protegê-lo.
Art. 180. O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior.
b) Ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido – são relativamente incapazes os alcoólatras e os toxicômanos (viciados em álcool ou drogas), já que usuários eventuais são considerados absolutamente incapazes quando ficarem impedidos de exprimir sua vontade (art. 3º, III). Os deficientes mentais de discernimento reduzido são os fracos da mente ou fronteiriços (como dito anteriormente, há uma gradação para a debilidade mental). Nos termos dos arts. 1.772 e 1.782, pronunciada a interdição dos deficientes mentais, dos ébrios habituais e dos toxicômanos, o juiz assinará os limites da curatela, que poderão circunscrever-se à privação do direito de praticar, sem o curador, atos que possam onerar ou desfalcar o seu patrimônio.
c) Excepcionais sem desenvolvimento mental completo – o código declara relativamente incapaz não apenas os surdos-mudos, mas todos os excepcionais sem desenvolvimento mental completo (também são aplicadas as regras dos arts. 1.772 e 1.782). Quanto aos surdos-mudos, somente serão considerados relativamente incapazes aqueles que, por não terem recebido educação adequada e permanecerem isolados, ressentem-se de um desenvolvimento mental completo. Se receberem educação e puderem exprimir a vontade, serão capazes, raciocínio este que se aplica a todos os excepcionais sem o desenvolvimento mental completo.
d) Pródigos – é o indivíduo que dissipa o seu patrimônio desvairadamente (é um desvio da personalidade e não um estado de alienação mental). Pode ser submetido à curatela (art. 1.767, V) e no sistema anterior sua interdição era com o objetivo de proteger sua família, de modo que era requerida pelo cônjuge, ascendente, MP ou algum parente próximo (art. 447). Hoje, sua interdição visa sua própria proteção, não necessitando de requerimento de parentes próximos, podendo qualquer parente requerê-la. Além disso, e consolidando o entendimento de que a curatela protege o pródigo e não sua família, não foi repetida no novo código a parte final do antigo art. 461, que permitia o levantamento da interdição caso não existissem mais os parentes designados no artigo anterior. O pródigo interditado pode, em regra, praticar qualquer ato sem assistência (adotar, casar, fixar domicílio do casal, dar autorização para casamento dos filhos etc.), salvo aqueles que tenham reflexos patrimoniais (emprestar, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado), nos termos do art. 1.782.
Nos termos do parágrafo único do art. 4º, a capacidade dos índios é regulada por legislação especial, que hoje é o estatuto do índio (Lei 6.001/73). A tutela do índio é exercida pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), em nome da União (tutela estatal). Seu estatuto diz que seus atos são nulos, entretanto o juiz pode considerá-los válidos caso perceba que o índico já está adaptado ao meio social.
A tutela dos índios origina-se no âmbito administrativo. O que vive nas comunidades indígenas não integradas à civilização já nasce sob tutela. É, portanto, independentemente de qualquer medida judicial, incapaz desde o nascimento, até que preencha os requisitos exigidos pelo art. 9º da lei, caso em que poderá requerer à Justiça Federal sua emancipação. Vale dizer, ainda, que o Presidente da República poderá, por decreto, declarar a emancipação de uma comunidade indígena e de seus membros. É competente para cuidar das questões referentes aos índios a Justiça Federal.
Por fim, nos termos do § 2º do art. 50 da Lei dos Registros Públicos, os “índios, enquanto não integrados, não estão obrigados a inscrição do nascimento. Este poderá ser feito em livro próprio do órgão federal de assistência aos índios”.
3. CESSAÇÃO DA INCAPACIDADE
A incapacidade cessa, em primeiro lugar, quando cessar sua causa (enfermidade mental, menoridade etc.) e, em segundo lugar, pela emancipação. Nos termos do art. 5º, a menoridade cessa aos 18 anos completos, isto é, no primeiro momento do dia em que o indivíduo perfaz aquela idade (se é nascido no dia 29 de fevereiro, completa a maioridade no dia 1º de março). Quando a incapacidade resulta de processo de interdição, o interditado pode requerer, nos mesmos autos, que seja ela levantada.
A emancipação é a antecipação da cessação da menoridade, podendo ser, nos termos do parágrafo único do art. 5º, das seguintes espécies:
a) Voluntária – é aquela concedida por ambos os pais, desde que o menor tenha 16 anos completos, por instrumento público. Quando um dos pais não pode se manifestar (por estar ausente, morto etc.), o outro deve fazer prova de tal impossibilidade, e se tal prova for difícil deve ajuizar justificação judicial. A jurisprudência tem entendido (inclusive o STF) que a emancipação dos pais não exclui a responsabilidade civil (objetiva-se evitar emancipações maliciosas). Para que produza efeitos, assim como a emancipação judicial, ela deve ser registrada em livro próprio do 1º Ofício do Registro Civil da comarca do domicílio do menor (art. 9º, II do CC e art. 107, § 1º da LRP).
b) Judicial – é aquela concedida pelo juiz quando o menor estiver sob tutela, e possuir pelo menos 16 anos. Ou seja, nesses casos o tutor não pode emancipar o menor, devendo requerer a emancipação ao juiz que, depois de verificar a conveniência do deferimento para o bem do menor, a concederá por sentença. Como dito, somente produz efeitos depois de registrada, e para isso o juiz apenas comunica, de ofício, a concessão ao escrivão do Registro Civil.
c) Legal – é automática, e não necessita de declaração. A emancipação legal independe de registro e produzirá efeitos desde logo, isto é, a partir do ato ou do fato que a provocou. Ela pode ocorrer pelos seguintes fatos:
ð Casamento – a emancipação pelo casamento não é extinta com a dissolução da sociedade conjugal, salvo se houver anulação pelo juiz. Todavia, no casamento putativo, mesmo a dissolução por nulidade não extingue a emancipação em relação àquele que estava de boa-fé. A emancipação não se estende à união estável.
ð Exercício de emprego público efetivo – este dispositivo é inócuo, já que necessário ter 18 anos para que se possa prestar concurso público, que é o meio pelo qual se exerce emprego público efetivo.
ð Colação de grau em nível superior – este dispositivo somente se aplica, na prática, aos gênios, já que podem se submeter a determinado teste no Ministério da Educação e conseguir diploma em nível superior.
ð Estabelecimento civil ou comercial, ou relação de emprego, onde o menor com 16 anos completos tenha economia própria – justifica-se a emancipação por se afastar as dificuldades que a subordinação aos pais acarretaria na gestão dos negócios, tutelando-se, ao mesmo tempo, interesse de terceiros, que de boa-fé com ele estabeleceram relações comerciais.
Por fim, convém ressaltar que a emancipação, em qualquer de suas formas, é irrevogável, não podendo os pais, que voluntariamente emanciparam o filho, voltar atrás. Todavia, a característica da irrevogabilidade não se confunde com invalidade do ato (nulidade ou anulabilidade), que pode ser reconhecida.
4. INÍCIO DA PERSONALIDADE
Nos termos do art. 2º, “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direito do nascituro”. Verifica-se que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, o que se constata pela respiração. Nos termos do art. 53, § 2º da LRP, se a pessoa respirou, viveu.
Adotamos, desta forma, a teoria natalista, e não a teoria concepcionista, que assegura a existência da personalidade a partir da concepção. Para a teoria natalista, a personalidade civil da pessoa natural começa do nascimento com vida, o que se constata pela respiração. Se respirou, viveu. Não se exige o corte do cordão umbilical, nem que seja viável (aptidão vital), nem que tenha forma humana.
Nascendo vivo, ainda que morra em seguida, o novo ente chegou a ser pessoa, adquiriu direitos, e com sua morte os transmitiu. O nascituro é, desta forma, um ser condicional, ou titular de direitos eventuais, mas não é pessoa. Nos termos do art. 130, pode praticar atos de conservação de seu direito, através de seu representante (ex: suspensão do inventário, em caso de morte do pai, estando a mulher grávida, havendo outros descendentes, para se aguardar o nascimento).
Art. 130. Ao titular do direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou resolutiva, é permitido praticar os atos destinados a conservá-lo.
Uns dizem que o nascimento com vida é uma condição suspensiva para a aquisição dos direitos da personalidade. Vários dispositivos do código protegem o nascituro: 542, 1.609, parágrafo único, 1.779 e outros.
Quando o nascituro nasce morto é chamado de natimorto. Nos termos do art. 53 da LRP ele deve ser registrado em livro próprio (livro “C Auxiliar”). Nos termos do § 2º daquele dispositivo, o nascituro deve ter certidão de nascimento e de óbito, caso se comprove que ele viveu, mesmo que por alguns segundos. Considera-se vida sua simples respiração.
Art. 53. No caso de ter a criança nascido morta ou no de ter morrido na ocasião do parto, será, não obstante, feito o assento com os elementos que couberem e com remissão ao do óbito.
§ 1º No caso de ter a criança nascido morta, será o registro feito no livro “C Auxiliar”, com os elementos que couberem.
§ 2º No caso de a criança morrer na ocasião do parto, tendo, entretanto, respirado, serão feitos os dois assentos, o de nascimento e o de óbito, com os elementos cabíveis e com remissões recíprocas.
São obrigados a fazer o registro, pela ordem: os pais, o parente mais próximo, os administradores de hospitais ou os médicos e parteiras, pessoa idônea da casa em que ocorrer o parto e pessoa encarregada da guarda do menor (art. 52 da LRP).
5. EXTINÇÃO DA PESSOA NATURAL
Somente com a morte termina a existência da pessoa natural, que pode ser também simultânea (comoriência). Doutrinariamente, pode-se falar em:
a) Morte real (art. 6º, 1ª parte, segundo o qual “a existência da pessoa natural termina com a morte”) – sua prova faz-se pelo atestado de óbito ou pela justificação, em caso de catástofre e não encontrado o corpo (art. 88 da LRP). Ela acarreta na extinção do poder familiar, na dissolução do vínculo matrimonial, na extinção dos contratos personalíssimos, na transmissão da obrigação de prestar alimentos aos herdeiros do devedor (art. 1.700) etc.
b) Morte simultânea (comoriência) – também é uma morte real; nos termos do art. 8º, se duas ou mais pessoas falecerem na mesma ocasião (não precisa ser no mesmo lugar), não se sabendo quem precedeu ao outro, serão presumidos simultaneamente mortos. O único interesse em se saber se um faleceu antes do outro é para fins de direito sucessório, quando forem reciprocamente herdeiros um do outro. Aplicando-se a regra da comoriência, não há transmissão de bens de um ao outro. Por conseguinte, se morrem em acidente casal sem descendentes e ascendentes, sem se saber qual morreu primeiro, um não herda do outro. Assim, os colaterais da mulher ficarão com a meação dela, enquanto que os colaterais do marido ficarão com a meação dele. Diversa seria a solução se houvesse prova de que um faleceu pouco antes do outro (o que viveu um pouco mais herdaria a meação do outro e, por sua morte, a transmitiria aos seus colaterais). Para se saber quem faleceu primeiro é necessário que se realize prova através de um médico legista.
Art. 8º Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos.
c) Morte presumida, com declaração de ausência – a parte final do art. 6º diz que pode-se presumir a morte do ausente nos casos em que a lei autoriza a abertura da sucessão definitiva. A declaração de ausência produz efeitos patrimoniais, permitindo a abertura da sucessão provisória e, depois, a definitiva (nesta última hipótese, constitui causa de dissolução da sociedade conjugal – art. 1.571, § 1º). Trata-se de presunção legal, não necessitando de declaração judicial.
d) Morte presumida, sem decretação da ausência – neste caso, ocorrida qualquer das hipóteses previstas no art. 7º, é possível a declaração da morte presumida, para todos os efeitos, sem decretação da ausência. Necessário se observar o disposto no parágrafo único daquele dispositivo.
Art. 7º Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência:
I – se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida;
II – se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra.
Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento.
e) Morte civil – existente no direito romano, especialmente para os que perdiam a liberdade (escravos). Não é admitida por nosso ordenamento, todavia, há um resquício dela no art. 1.816, segundo o qual “(…) os descendentes do herdeiro excluído sucedem, como se ele morto fosse antes da abertura da sucessão”. Como visto, esse efeito somente existe para afastá-lo da herança, conservando, porém, a personalidade, para os demais efeitos. Também na legislação militar pode ocorrer a hipótese de a família do indigno do oficialato, que perdeu o seu posto e respectiva patente, perceber pensões, como se ele houvesse falecido.
6. INDIVIDUALIZAÇÃO DA PESSOA NATURAL
6.1. Nome
A palavra “nome”, como elemento individualizador da pessoa natural, é empregada em sentido amplo, indicando o nome completo. O nome é a designação que identifica a pessoa na sociedade. Os criadores intelectuais muitas vezes identificam-se pelo pseudônimo (nos termos do art. 19, “o pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome”).
O nome tem por natureza jurídica um direito da personalidade (arts. 11 e ss.). Trata-se de direito inalienável e imprescritível, essencial para o exercício dos direitos e do cumprimento das obrigações. No nome destacam-se dois aspectos fundamentais:
a) Público – o nome das pessoas é disciplinado pelo Estado, que tem interesse na perfeita identificação delas (arts. 54 a 58 da LRP e arts. 16 a 19 do CC).
b) Individual – nos termos do art. 16, “toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendido o prenome e o sobrenome”, que abrange o direito de usá-lo e o de defendê-lo contra usurpação (direito autoral) e contra exposição ao ridículo.
São elementos do nome completo o prenome e o sobrenome (patronímico ou apelido de família, segundo a LRP). Também pode ser adotado o agnome, que é o sinal que distingue pessoas de uma mesma família (Júnior, Neto, Sobrinho etc.). Vale dizer que axiônimo é a designação que se dá à forma cortês de tratamento ou à expressão de reverência (Exmo., Sr., Santidade, Dr.). Vejamos os elementos do nome:
a) Prenome – pode ser simples ou composto (duplo, triplo etc.), e pode ser escolhido livremente pelos pais, desde que não exponha o filho ao ridículo, caso em que o oficial do registro não poderá registrá-lo. Quando o declarante não indicar o nome completo, o oficial lançará adiante do prenome escolhido o nome dos pais (art. 55). Irmãos não podem ter o mesmo prenome, a não ser que seja duplo. Os gêmeos, da mesma forma, que tiverem prenome igual deverão ser inscritos com duplo prenome ou nome completo diverso, de modo que possam distinguir-se.
b) Sobrenome – é o sinal que identifica a procedência da pessoa, indicando a sua filiação ou estirpe, adquirindo-se com o nascimento (art. 55), não sendo, portanto, escolhido. É imutável (art. 56). Mesmo que a criança seja registrada somente com prenome, o sobrenome faz parte, por lei, de seu nome completo, podendo o escrivão lançá-lo de ofício adiante o prenome escolhido. Assim, o registro, com indicação do sobrenome, tem caráter puramente declaratório. Pode ser o do pai, o da mãe ou de ambos. Pode ser simples ou composto.
ð Filhos havidos fora do matrimônio (arts. 59 e 60) – segundo estes dispositivos, não será lançado o nome do pai sem que este expressamente autorize. Todavia, hoje, a Lei 8.560/92 obriga os escrivães do registro civil a remeter ao juiz os dados sobre o suposto pai, que será convocado para reconhecer voluntariamente o filho. Não o fazendo, os dados serão encaminhados ao Ministério Público, que poderá promover a ação de investigação de paternidade. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito pelos modos previstos no art. 1.609, que admite inclusive que se faça por escrito particular, a ser arquivado em cartório, e também por qualquer espécie de testamento.
O art. 58 da LRP adotou o princípio da estabilidade do nome, dizendo que o prenome é definitivo. Todavia, são admitidas exceções, possibilitando a retificação ou mudança do prenome em alguns casos. Vejamos:
a) Apelidos notórios – o próprio art. 58 admite a substituição do prenome por apelidos notórios. A jurisprudência, mesmo antes da alteração daquele dispositivo já vinha admitindo a substituição do prenome oficial pelo prenome de uso (prenome de uso não se confunde com apelido notório), pois se a pessoa é conhecida de todos por prenome diverso do que consta de seu registro, a alteração pode ser requerida em juízo, pois prenome imutável, segundo os tribunais, é aquele que foi posto em uso e não o que consta do registro. Antes o apelido público notório somente era acrescido entre o prenome e o sobrenome (ex: Luiz Inácio “Lula” da Silva), todavia, atualmente, o prenome oficial pode ser substituído por apelido popular, como por outro prenome, pelo qual a pessoa é conhecida no meio social em que vive.
b) Evidente erro gráfico – é possível a retificação do prenome em caso de evidente erro gráfico, com base no art. 110 e parágrafos da LRP, que prevêem para a hipótese um procedimento sumário, no próprio cartório, com manifestação do Ministério Público e sentença do juiz.
c) Prenome suscetível de expor ao ridículo – trata-se de possibilidade prevista no parágrafo único do art. 55, que impõe ao escrivão o dever de recusar o registro de nomes que possam expor ao ridículo os seus portadores, com recurso para o juiz. A pretensão depende de distribuição, perante o juiz, de procedimento de retificação de nome (art. 109). Incluem-se nesse caso as hipóteses de pessoas do sexo masculino registradas com nome feminino e vice-versa. Tem a jurisprudência admitido a retificação não só do prenome como também de outras partes esdrúxulas do nome. A jurisprudência ampliou as possibilidades de alteração do prenome, autorizando a tradução de nomes estrangeiros, para facilitar o aculturamento dos alienígenas que vêm fixar-se no Brasil.
d) Adoção (art. 1.627) – a sentença concessiva da adoção confere ao adotado o sobrenome do adotante (alteração, portanto, obrigatória do sobrenome do adotado), podendo determinar a modificação de seu prenome, se menor, a pedido do adotante ou do adotado. A alteração nesse caso poderá ser total, abrangendo, inclusive, o prenome.
e) Art. 56 da LRP – pode o interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, alterar o nome, pela via administrativa e por decisão judicial (art. 110), desde que não prejudique os apelidos de família. Ao invés de substituir o prenome, pode o interessado, requerer adição de apelido, como visto. Se o nome é ridículo ou contém erro gráfico, pode ser mudado, antes desse prazo, pela via própria. Decorrido o prazo decadencial de um ano, ainda assim poderá ser alterado o nome, nos termos do art. 57 da LRP, não mais administrativamente, mas com apresentação do pedido em cartório, excepcionalmente e motivadamente, em ação de retificação de nome.
f) Art. 58, parágrafo único da LRP – a substituição do prenome será ainda admitida em razão de fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime, por determinação, em sentença, de juiz competente, ouvido o Ministério Público.
Vejamos os dispositivos da LRP relativos ao nome:
Art. 55. Quando o declarante não indicar o nome completo, o oficial lançará adiante do prenome escolhido o nome do pai, e na falta, o da mãe, se forem conhecidos e não o impedir a condição de ilegitimidade, salvo reconhecimento no ato.
Parágrafo único. Os oficiais do registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores. Quando os pais não se conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por escrito o caso, independente da cobrança de quaisquer emolumentos, à decisão do Juiz competente.
Art. 56. O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa.
Art. 57. Qualquer alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa.
Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios. (Redação dada pela Lei nº 9.708, de 1998)
Parágrafo único. A substituição do prenome será ainda admitida em razão de fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime, por determinação, em sentença, de juiz competente, ouvido o Ministério Público.(Redação dada pela Lei nº 9.807, de 1999).
Art. 59. Quando se tratar de filho ilegítimo, não será declarado o nome do pai sem que este expressamente o autorize e compareça, por si ou por procurador especial, para, reconhecendo-o, assinar, ou não sabendo ou não podendo, mandar assinar a seu rogo o respectivo assento com duas testemunhas.
Art. 60. O registro conterá o nome do pai ou da mãe, ainda que ilegítimos, quando qualquer deles for o declarante.
6.2. Estado
É a soma das qualidades da pessoa natural, na sociedade, hábeis a produzir efeitos jurídicos. É o seu modo particular de existir. O estado apresenta três aspectos, vejamos:
a) Individual (ou físico) – são as características da pessoa física (idade, sexo etc.).
b) Familiar – é a posição que a pessoa ocupa na família, em relação ao matrimônio (solteiro, casado, viúvo, divorciado) e ao parentesco (pai, filho, irmão, sogro, cunhado etc.).
c) Político – é a qualidade jurídica que advém da posição do indivíduo na sociedade política, podendo ser nacional (nato ou naturalizado) e estrangeiro.
As principais características ou atributos do estado são:
a) Indivisibilidade – ninguém pode ser, simultaneamente, casado e solteiro, maior e menor etc. O estado é uno e indivisível e regulamentado por normas de ordem pública. A obtenção de dupla nacionalidade constitui exceção à regra.
b) Indisponibilidade – trata-se de bem fora do comércio, sendo inalienável e irrenunciável. Isso não impede a sua mutação, diante de determinados fatos e preenchidos os requisitos legais (solteiro pode passar a casado etc.).
c) Imprescritibilidade – não se perde nem se adquire o estado pela prescrição. É elemento integrante da personalidade e, assim, nasce com a pessoa e com ela desaparece.
6.3. Domicílio
A palavra domicílio tem um significado jurídico importante, tanto no código civil como no estatuto processual civil: é, em geral, no foro de seu domicílio que o réu é procurado para ser citado. Domicílio é a sede jurídica da pessoa, ou seja, o local em que responde por suas obrigações (onde habitualmente pratica seus atos e negócios jurídicos – trata-se de conceito jurídico, como se verifica, por exemplo, nos arts. 327 e 1.785 do CC e art. 94 do CPC).
Nos termos do art. 70, o domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece sua residência com ânimo definitivo. A residência é, portanto, um elemento do conceito de domicílio. Este possui dois elementos: um objetivo (residência) e outro subjetivo (ânimo definitivo). Sendo assim, é possível haver várias residências e um domicílio, assim como vários domicílios, admitindo-se, portanto, a pluralidade domiciliar, bastando que a pessoa tenha várias residências onde viva alternadamente (art. 71). O código, todavia, adotando o modelo suíço, não considera domicílio a habitação ou moradia (local ocupado esporadicamente).
Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo.
Art. 71. Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas.
Muito embora o novo código, diversamente do que fazia o anterior, não considere domicílio o centro de ocupação habitual, estabeleceu no art. 72 o chamado domicílio profissional, relativamente às relações concernentes à profissão, e no art. 73 o domicílio denominado presumido, quando a pessoa não tem residência fixa, presumindo-se que o seu domicílio é o lugar onde for encontrada.
Art. 72. É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida.
Parágrafo único. Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem.
Art. 73. Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não tenha residência habitual, o lugar onde for encontrada.
Podemos dividir o domicílio em duas espécies:
a) Necessário (ou legal) – é aquele imposto pela lei. Nos termos do art. 76, tem domicílio necessário o incapaz (é o domicílio de seu representante), o servidor público (onde exerce a função), o militar (onde serve), o marítimo (onde o navio está matriculado), o preso (onde cumpre a pena) e o agente diplomático (art. 77).
Art. 76. Têm domicílio necessário o incapaz, o servidor público, o militar, o marítimo e o preso.
Parágrafo único. O domicílio do incapaz é o do seu representante ou assistente; o do servidor público, o lugar em que exercer permanentemente suas funções; o do militar, onde servir, e, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, a sede do comando a que se encontrar imediatamente subordinado; o do marítimo, onde o navio estiver matriculado; e o do preso, o lugar em que cumprir a sentença.
Art. 77. O agente diplomático do Brasil, que, citado no estrangeiro, alegar extraterritorialidade sem designar onde tem, no país, o seu domicílio, poderá ser demandado no Distrito Federal ou no último ponto do território brasileiro onde o teve.
b) Voluntário – pode ser:
ð Comum (ou geral) – é aquele escolhido e alterado livremente. A alteração se dá na forma do art. 74, que assim dispõe: “muda-se o domicílio, transferindo a residência, com a intenção manifesta de o mudar”.
ð Especial – é o foro do contrato (onde o contrato deve ser cumprido) ou o foro de eleição (art. 78). O benefício do foro de eleição pode ser renunciado caso o autor proponha a ação no domicílio do réu. Nos contratos de adesão, segundo a jurisprudência, não se admite foro de eleição quando isto cause prejuízo ao consumidor.
Quanto ao domicílio da pessoa jurídica, necessário observar o disposto no art. 75:
a) União – o seu domicílio é o Distrito Federal.
b) Estados e Territórios – têm domicílio nas respectivas capitais.
c) Municípios – o domicílio é o lugar onde funciona a Prefeitura.
d) Demais pessoas jurídicas – o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos. Deve-se ainda observar as regras dos §§ 1º e 2º: “tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados”; e ainda: “se a administração, ou diretoria, tiver sede no estrangeiro, haver-se-á por domicílio da pessoa jurídica, no tocante às obrigações contraídas por cada uma das suas agências, o lugar do estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder”.
7. DIREITOS DA PERSONALIDADE
São direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física (vida, alimentos, próprio corpo vivo ou morto, corpo alheio vivo ou morto, partes separadas do corpo vivo ou morto), a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria científica, artística e literária), e a sua integridade moral (honra, segredo profissional e doméstico, identidade pessoal, familiar e social). Distinguem-se dos direitos de ordem patrimonial, pois não possuem conteúdo econômico imediato e não se destacam da pessoa de seu titular.
Fundamentam-se no art. 5º, X da CF, e possuem as seguintes características (com exceção dos casos previstos em lei):
a) Intransmissíveis
b) Irrenunciáveis
c) O seu exercício não pode sofrer limitação voluntária.
d) Inalienáveis e imprescritíveis.
O código civil dedicou um capítulo inteiro aos novos direitos da personalidade, disciplinando-os da seguinte forma (arts. 11 a 21):
a) Atos de disposição do próprio corpo (arts. 13 e 14) – é defeso quando importar em diminuição permanente da integridade física, ou quando contrariar os bons costumes, admitindo-se, todavia, a disposição para fins de transplante. O transplante está disciplinado na Lei 9.434/97, que somente será permitido se não representar risco para a integridade física e mental e não cause mutilação ou deformação inaceitável. O art. 14 permite a disposição gratuita do próprio corpo para depois da morte. Diz o professor que o art. 13 proibiu a ablação de órgãos do corpo humano realizada em transexuais, malgrado a legitimidade para reclamar do ato e de suas conseqüências, em juízo, seja exclusivamente do paciente, que dispõe do próprio corpo e poderá dar-se por satisfeito.
b) Não-submissão a tratamento médico de risco (art. 15) – a regra obriga os médicos, nos casos mais graves, a não atuarem sem prévia autorização do paciente, que pode se recusar a se submeter a um tratamento perigoso.
c) Direito ao nome (arts. 16 a 19) – já foi estudado acima.
d) Proteção à palavra e à imagem (art. 20) – a transmissão da palavra e a divulgação de escritos já eram protegidas pela Lei 9.610/98. A divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, exposição ou utilização da imagem pode ser feita com autorização, ou quando necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública. O art. 5º, X da CF considera a imagem um direito inviolável.
e) Proteção à intimidade (art. 21) – a vida privada da pessoa natural é inviolável. O dispositivo, em consonância com o art. 5º, X da CF, protege todos os aspectos da intimidade da pessoa, concedendo ao prejudicado a prerrogativa de pleitear que cesse o ato abusivo ou ilegal.
Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Quando o prejudicado morto for, tem legitimidade para tais requerimentos o cônjuge, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.
Nos termos do art. 52, “aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade”.
8. AUSÊNCIA
8.1. Fases da Ausência
A situação do ausente passa por três fases:
a) Curadoria do ausente – logo após o desaparecimento, o ordenamento jurídico procura preservar os bens deixados pelo ausente, para a hipótese de eventual retorno. O curador cuida de seu patrimônio.
b) Sucessão provisória – prolongando-se a ausência, o legislador passa a preocupar-se com os interesses de seus sucessores, permitindo a abertura da sucessão provisória.
c) Sucessão definitiva – após longo período de ausência autoriza-se a abertura da sucessão definitiva.
8.2. Curadoria dos Bens do Ausente
Ausente é a pessoa que desaparece de seu domicílio sem dar notícia de seu paradeiro e sem deixar um representante ou procurador para administrar-lhe os bens (art. 22). Nesse caso, o juiz, a requerimento de qualquer interessado, ou do Ministério Público, declarará a ausência, e nomear-lhe-á curador. Este procedimento também é adotado quando o ausente deixar mandatário que não queira ou não possa exercer o mandato.
O juiz deve seguir à seguinte ordem de preferência quando da nomeação do curador: o cônjuge será curador caso não esteja separado judicialmente ou de fato por mais de dois anos antes da declaração da ausência; não havendo cônjuge a escolha recai nos pais e nos descendentes (os mais próximos precedem os mais remotos); na falta dessas pessoas o juiz nomeará curador dativo.
Vejamos outras regras:
a) A curadoria do ausente fica restrita aos bens, não produzindo efeitos de ordem pessoal, razão pela qual a esposa do ausente não é considerada viúva. Somente há equiparação à morte (não se trata da morte do art. 7º, in fine) para efeitos de abertura da sucessão.
b) Prazo – a curadoria pode prolongar-se por 1 ano, durante o qual serão publicados editais, de dois em dois meses, convocando, o ausente a comparecer, nos termos do art. 1.161 do CPC.
c) Decorrido o prazo do edital, sem que o ausente apareça, ou se tenha notícia de sua morte, ou no caso de ter deixado representante (não há curadoria nesse caso), após 3 anos, poderão os interessados requerer a abertura da sucessão provisória (art. 26).
d) Cessação da curadoria (art. 1.163 do CPC)
ð Aparecimento do ausente, do seu procurador ou de quem o represente.
ð Pela certeza da morte do ausente.
ð Pela sucessão provisória, com a partilha dos bens aos herdeiros.
8.3. Sucessão Provisória
Podem requerê-la: o cônjuge não separado judicialmente; os herdeiros presumidos, legítimos ou testamentários; os que tiverem sobre os bens do ausente direito dependente de sua morte; os credores de obrigações vencidas e não pagas (art. 27). Necessário lembrar que a sentença que determinar a ausência só produzirá efeito 180 dias depois de publicada pela imprensa. Todavia, logo que passar em julgado proceder-se-á à abertura do testamento, se houver, e ao inventário e partilha dos bens, como se o ausente fosse falecido (art. 28).
Demais regras:
a) Os bens serão entregues aos herdeiros, porém em caráter provisório e condicional, ou seja, desde que prestem garantias da restituição (penhor ou hipoteca) equivalentes aos quinhões respectivos. Se não o fizerem, não serão imitidos na posse, ficando os respectivos quinhões sob a administração de curador ou de outro herdeiro que preste a garantia. Porém, a garantia não é exigida dos ascendentes, descendentes e do cônjuge.
b) Os imóveis do ausente só se poderão alienar, não sendo por desapropriação, ou hipotecar, quando o ordene o juiz, para lhes evitar a ruína (art. 31).
c) O descendente, o ascendente ou o cônjuge que for sucessor provisório do ausente, fará seus todos os frutos e rendimentos dos bens que couberem a estes; quanto aos demais sucessores, deverão capitalizar metade desses frutos e rendimentos.
d) Se o ausente aparecer, fincado provado que a ausência foi voluntária e injustificada, perderá ele, em favor do sucessor, sua parte nos frutos e rendimentos. Se o ausente aparecer, ou se lhe provar a existência, depois de estabelecida a posse provisória, cessarão para logo as vantagens dos sucessores nela imitidos, ficando obrigados a tomar medidas assecuratórias precisas, até à entrega dos bens ao seu dono.
e) Cessação da sucessão provisória – dá-se pelo comparecimento do ausente.
f) Conversão em sucessão definitiva:
ð Quando houver certeza da morte do ausente.
ð 10 anos após o trânsito da sentença de abertura da sucessão provisória.
ð Ausente com mais de 80 anos, decorridos 5 das últimas notícias suas.
8.4. Sucessão Definitiva
Poderão os interessados, 10 anos depois de passar em julgado a sentença que concedeu a abertura da sucessão provisória, requerer a definitiva e o levantamento das cauções prestadas. Também pode ser requerida a sucessão definitiva provando-se que o ausente conta 80 anos e decorreram 5 anos das últimas notícias suas.
Efeitos:
a) Os sucessores deixam de ser provisórios, adquirindo o domínio dos bens, todavia, o domínio é resolúvel. Isso porque se o ausente regressar nos 10 anos seguintes à abertura da sucessão definitiva, ou se aparecer algum de seus descendentes ou ascendentes, aquele ou estes haverão só os bens existentes no estado em que se acharem, os sub-rogados em seu lugar, ou o preço recebido pelos bens alienados depois daquele tempo.
b) Se o ausente não regressar nesses 10 anos, e nenhum interessado promover a sucessão definitiva, os bens arrecadados passarão ao domínio do Município do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União, quando situados em Território Federal.
III – PESSOAS JURÍDICAS
1. CONCEITO
São entidades as quais a lei confere personalidade jurídica, capacitando-as a serem sujeitos de direitos e obrigações. A principal característica é o fato de possuírem personalidade própria, distinta da personalidade de seus membros. A conseqüência desta regra é a impossibilidade de penhora dos bens particulares dos sócios em relação às dívidas da sociedade; todavia, excepcionalmente, em face da má utilização dessa regra, por pessoas que visam prejudicar terceiros, pode haver a desconsideração da personalidade jurídica da pessoa jurídica.
Pela teoria da desconsideração da personalidade jurídica (também chamada de disregard of the legal entity ou disregard doctrine) permite-se que o juiz, em casos de fraude e má-fé, desconsidere o princípio de que as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros e os efeitos dessa autonomia para atingir e vincular os bens particulares dos sócios à satisfação das dívidas da sociedade. Para a aplicação dessa teoria no Brasil seria necessária a existência de lei, o que não existia, razão pela qual os tribunais utilizavam, analogicamente, a regra do art. 135 do CTN, que responsabiliza pessoalmente os diretores etc. Posteriormente, a possibilidade foi expressamente prevista no art. 28, caput e § 5º do CDC. Atualmente, com o advento do novo código, a teoria da desconsideração passou a ser aplicada em qualquer caso, em razão da regra contida no art. 50.
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I – as pessoas referidas no artigo anterior;
II – os mandatários, prepostos e empregados;
III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica são meramente patrimoniais e sempre relativos a obrigações determinadas, pois a pessoa jurídica não entra em processo de liquidação (não se trata da despersonalização da pessoa jurídica). Também se admite a chamada teoria da desconsideração inversa, segundo a qual o juiz pode autorizar a penhora de bens da sociedade, por dívida do sócio, quando provado, por exemplo, que o marido (sócio da sociedade) está transferindo seu patrimônio para a sociedade, com o objetivo de não restarem bens particulares na futura separação do casal.
2. NATUREZA JURÍDICA DA PESSOA JURÍDICA
Várias teorias procuram explicar esse fenômeno, pelo qual um grupo de pessoas passa a constituir uma unidade orgânica, com individualidade própria reconhecida pelo Estado e distinta das pessoas que a compõem. As teorias podem ser reunidas em dois grupos:
a) Teorias da ficção – não são aceitas, pois a crítica que se lhes faz é a de que o Estado também é uma pessoa jurídica; razão pela qual dizer-se que o Estado é uma ficção é o mesmo que dizer que o direito, que dele emana, também o é. As teorias da ficção dividem-se em:
ð Ficção doutrinária – a pessoa jurídica é criação dos juristas.
ð Ficção legal (Savigny) – trata-se de criação artificial da lei.
b) Teorias da realidade – dividem-se em:
ð Realidade objetiva – a pessoa jurídica é um ser com vida própria, que nasce por imposição das forças sociais (é uma realidade sociológica). Critica-se pelo fato de os grupos sociais não terem vida própria, personalidade, que é uma característica do ser humano.
ð Realidade jurídica (ou institucionalista, de Hauriou) – assemelha-se à anterior, dizendo que as pessoas jurídicas são como organizações sociais destinadas a um serviço ou ofício, e por isso personificadas. Também é criticada, pois nada esclarece sobre as sociedades que se organizam sem a finalidade de prestar um serviço ou de preencher um ofício.
ð Realidade técnica (Ihering) – a personificação dos grupos sociais é um expediente de ordem técnica, a forma encontrada pelo direito para reconhecer a existência de grupos de indivíduos, que se unem na busca de fins determinados. Essa é a teoria mais aceita atualmente.
3. REQUISITOS PARA A CRIAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA
São três:
a) Manifestação de vontade – intenção de criar entidade distinta dos seus membros.
b) Observância das condições legais (elaboração do ato constitutivo) – a vontade humana materializa-se no ato de constituição, que se denomina estatuto (para as associações), contrato social (para pessoa jurídica com fins lucrativos – sociedades empresárias), ou escritura pública ou testamento (para fundações).
c) Licitude de seus objetivos
O ato constitutivo deve ser levado a registro para que comece, então, a existência legal da pessoa jurídica de direito privado (art. 45). Todavia, em alguns casos, o registro deve ser precedido de autorização do governo (ex: seguradoras, instituições financeiras, administradoras de consórcio etc.). Antes do registro, não passará de mera “sociedade de fato” ou “sociedade não personificada”, equiparada por alguns ao nascituro, que já foi concebido, mas que só adquirirá personalidade se nascer com vida, e no caso da pessoa jurídica, se o seu ato constitutivo for registrado.
Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro.
O registro do contrato social de uma sociedade empresária faz-se na Junta Comercial, enquanto que os estatutos e os atos constitutivos das demais pessoas jurídicas de direito privado são registrados no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas (arts. 1.150 do CC e 114 da LRP). Vale dizer que o cancelamento do registro da pessoa jurídica, nos casos de dissolução ou cassação da autorização para o seu funcionamento, não se promove, mediante averbação, no instante em que é dissolvida, mas sim depois de encerrada sua liquidação (art. 51).
Nos termos do art. 12, VII do CPC, as sociedades sem personalidade jurídica serão representadas em juízo, ativa e passivamente, pela pessoa a quem couber a administração de seus bens.
4. CLASSIFICAÇÃO
4.1. Quanto à Nacionalidade
Podem ser nacionais ou estrangeiras.
4.2. Quanto à Estrutura Interna
a) Corporações – são formadas por pessoas, e o patrimônio não é essencial. São chamadas de “universitas personarum”, e subdivide-se em:
ð Associações – não visam lucro
ð Sociedades – visam lucro, e podem ser empresárias (realizam atividade empresária e são registradas na Junta Comercial) ou simples (não realizam atividade empresária, e são formadas, geralmente, por profissionais liberais).
b) Fundações – o patrimônio é essencial para tais pessoas, razão pela qual são chamadas de “universitas bonorum”. Não visam lucro, mas sim o bem estar da coletividade. O CC somente trata das fundações privadas. A fundação é um patrimônio destinado a determinado fim, o que é feito pelo instituidor.
O que diferencia as corporações das fundações, como visto, é que aquelas visam à realização de fins internos, estabelecidos pelos sócios, voltados para o bem estar dos próprios membros. As fundações, ao contrário, têm objetivos externos, estabelecidos pelo instituidor. Nas corporações, também existe um patrimônio, mas ele é secundário (meio para a realização de um fim), enquanto que nas fundações o patrimônio é elemento essencial.
4.3. Quanto à Função (Extensão de sua Atuação)
Nos termos dos arts. 40 a 44, podem ser:
a) Pessoa jurídica de direito privado – são as corporações e fundações particulares. Com o advento da Lei 11.107/05, que dispôs sobre normas gerais de contratação dos consórcios públicos, estes podem se constituir sob a forma de pessoa jurídica de direito privado. Também foram consideradas como pessoa jurídica de direito privado, com o advento da Lei 10.825/03, as organizações religiosas e os partidos políticos.
b) Pessoa jurídica de direito público:
ð Externo – são as diversas nações, inclusive a Santa-Sé, todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público, inclusive os organismos internacionais, como a ONU, a OEA, a Unesco etc.
ð Interno – podem ser da administração pública direta (União, Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios) e da administração pública indireta (autarquias, inclusive as associações públicas e demais entidades de caráter público criadas por lei, ou seja, são órgãos descentralizados, criados por lei, com personalidade própria para o exercício de atividade de interesse público). As empresas públicas e sociedades de economia mista sujeitam-se ao regime próprio das empresas privadas.
5. ASSOCIAÇÕES
As associações não têm fins lucrativos, mas sim religiosos, morais, culturais, desportivos ou recreativos. Nos termos do art. 53, “constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos”. Para que não repitamos simplesmente os artigos do código, entendemos por bem transcrevê-los abaixo.
Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.
Parágrafo único. Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos.
Art. 54. Sob pena de nulidade, o estatuto das associações conterá:
I – a denominação, os fins e a sede da associação;
II – os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos associados;
III – os direitos e deveres dos associados;
IV – as fontes de recursos para sua manutenção;
V – o modo de constituição e de funcionamento dos órgãos deliberativos; (Redação dada pela Lei nº 11.127, de 2005)
VI – as condições para a alteração das disposições estatutárias e para a dissolução.
VII – a forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas. (Incluído pela Lei nº 11.127, de 2005)
Art. 55. Os associados devem ter iguais direitos, mas o estatuto poderá instituir categorias com vantagens especiais.
Art. 56. A qualidade de associado é intransmissível, se o estatuto não dispuser o contrário.
Parágrafo único. Se o associado for titular de quota ou fração ideal do patrimônio da associação, a transferência daquela não importará, de per si, na atribuição da qualidade de associado ao adquirente ou ao herdeiro, salvo disposição diversa do estatuto.
Art. 57. A exclusão do associado só é admissível havendo justa causa, assim reconhecida em procedimento que assegure direito de defesa e de recurso, nos termos previstos no estatuto. (Redação dada pela Lei nº 11.127, de 2005)
Art. 58. Nenhum associado poderá ser impedido de exercer direito ou função que lhe tenha sido legitimamente conferido, a não ser nos casos e pela forma previstos na lei ou no estatuto.
Art. 59. Compete privativamente à assembléia geral: (Redação dada pela Lei nº 11.127, de 2005)
I – destituir os administradores; (Redação dada pela Lei nº 11.127, de 2005)
II – alterar o estatuto. (Redação dada pela Lei nº 11.127, de 2005)
Parágrafo único. Para as deliberações a que se referem os incisos I e II deste artigo é exigido deliberação da assembléia especialmente convocada para esse fim, cujo quorum será o estabelecido no estatuto, bem como os critérios de eleição dos administradores. (Redação dada pela Lei nº 11.127, de 2005)
Art. 60. A convocação dos órgãos deliberativos far-se-á na forma do estatuto, garantido a 1/5 (um quinto) dos associados o direito de promovê-la. (Redação dada pela Lei nº 11.127, de 2005)
Art. 61. Dissolvida a associação, o remanescente do seu patrimônio líquido, depois de deduzidas, se for o caso, as quotas ou frações ideais referidas no parágrafo único do art. 56, será destinado à entidade de fins não econômicos designada no estatuto, ou, omisso este, por deliberação dos associados, à instituição municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes.
§ 1º Por cláusula do estatuto ou, no seu silêncio, por deliberação dos associados, podem estes, antes da destinação do remanescente referida neste artigo, receber em restituição, atualizado o respectivo valor, as contribuições que tiverem prestado ao patrimônio da associação.
§ 2º Não existindo no Município, no Estado, no Distrito Federal ou no Território, em que a associação tiver sede, instituição nas condições indicadas neste artigo, o que remanescer do seu patrimônio se devolverá à Fazenda do Estado, do Distrito Federal ou da União.
6. SOCIEDADES
As sociedades podem ser simples ou empresárias, têm fim econômico e visam lucro, que deve ser distribuído entre os sócios. As sociedades simples são constituídas, em geral, por profissionais de uma mesma área (advogados, por exemplo). Mesmo que eventualmente venham a praticar atos próprios de empresários, tal fato não altera a sua situação, pois o que se considera é a atividade principal por elas exercida (todavia, necessário lembrar do parágrafo único do art. 966).
As sociedades empresárias também visam lucro, e distinguem-se das sociedades simples porque têm por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito ao registro previsto no art. 967. Aplicam-se-lhes, no que couber, as disposições concernentes às associações (art. 44, § 2º).
Para melhor compreensão do tema, ver matéria do professor Ricardo Bernardi.
7. FUNDAÇÕES
As fundações constituem um acervo de bens, que recebe personalidade para a realização de fins determinados. O atual código, diferentemente do anterior, limitou os fins das fundações, dizendo que só podem ter fins religiosos, morais, culturais ou de assistência (art. 62, parágrafo único). Sendo assim, as fundações compõem-se de dois elementos: o patrimônio e o fim (este é estabelecido pelo instituidor e não lucrativo). A limitação quanto aos fins da fundação tem a vantagem de impedir a instituição de fundações para fins menos nobres ou mesmo fúteis.
A formação da fundação passa por quatro fases:
a) Ato de dotação ou de instituição – é a destinação especial de bens livres pelo instituidor, através de testamento ou escritura publica (art. 62), especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administração. Se os bens forem insuficientes para a criação da fundação, serão destinados à fundação com fins semelhantes, se de outro modo não dispuser o instituidor (art. 63).
b) Elaboração do estatuto – a elaboração pode ser própria ou direta (feita pelo próprio instituidor) ou fiduciária (feita por alguém da confiança do instituidor, por ele designada). Se o instituidor não elabora o estatuto, nem indica quem deva fazê-lo, o Ministério Público poderá tomar a iniciativa. O mesmo acontecerá se a pessoa designada não cumprir o referido encargo, no prazo que lhe foi assinalado pelo instituidor, ou, não havendo prazo, dentro em 180 dias (art. 65 e parágrafo único).
c) Aprovação do estatuto – o estatuto é encaminhado ao Ministério Público da comarca onde será criada a fundação para aprovação. O Ministério Público, em 15 dias, aprovará o estatuto, indicará modificações que entender necessárias ou lhe denegará a aprovação. Nos dois últimos casos, pode o interessado requerer ao juiz o suprimento da aprovação (art. 65). O juiz, antes de suprir a aprovação, poderá também fazer modificações no estatuto, a fim de adaptá-lo aos fins pretendidos pelo instituidor (art. 1.201 do CPC). Qualquer alteração nos estatutos deve ser submetida à aprovação do Ministério Público (art. 67 do CC e 1.203 do CPC).
d) Registro – indispensável é o registro, que deve ser feito no cartório de registro civil das pessoas jurídicas. Só com ele começa a fundação a ter existência legal.
Em princípio os bens da fundação são inalienáveis. Todavia, essa inalienabilidade não é absoluta, razão pela qual, comprovada a necessidade de alienação, pode ser esta autorizada pelo juiz competente, com audiência do Ministério Público, aplicando-se o produto da venda na própria fundação, em outros bens destinados à consecução de seus fins. Feita sem autorização judicial nula é a venda. Com autorização judicial pode ser feita a venda, ainda que a inalienabilidade tenha sido imposta pelo instituidor.
Quanto à extinção da fundação, nos termos do art. 69, pode ocorrer quando se esgota o prazo de duração, estipulado pelo instituidor, ou quando sua finalidade se torna ilícita, impossível ou inútil, casos em que o Ministério Público ou qualquer interessado lhe promoverá a extinção. O patrimônio da fundação, no caso de extinção, terá o destino indicado pelo instituidor ou pelo estatuto. Na omissão, será destinado o patrimônio a outra fundação de finalidade semelhante, designada pelo juiz. A lei não esclarece qual o destino do patrimônio, se não existir nenhuma fundação de fins iguais ou semelhantes, entendendo a doutrina que os bens serão declarados vagos e passarão ao município ou ao Distrito Federal, ou à União (quando em território federal), aplicando-se, por analogia ao art. 1.822.
Regras finais:
a) Nos termos do art. 64, constituída a fundação por negócio entre vivos, o instituidor é obrigado a transferir-lhe a propriedade, ou outro direito real, sobre os bens dotados, e, se não o fizer, serão registrados, em nome dela, por mandado judicial.
b) Diz o art. 66 e seus parágrafos que velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde situadas, e se funcionarem no Distrito Federal, ou em Território, caberá o encargo ao Ministério Público Federal. Estendendo-se a fundação por mais de um Estado, caberá o encargo, em cada um deles, ao respectivo Ministério Público.
8. RESPONSABILIDADE DA PESSOA JURÍDICA
No tocante à responsabilidade contratual, todas as pessoas jurídicas, desde que se tornem inadimplentes, respondem por perdas e danos (art. 389). No campo da responsabilidade extracontratual, as pessoas jurídicas de direito privado (corporações e fundações) respondem civilmente pelos atos de seus prepostos, tenham ou não fins lucrativos, desde que ajam com culpa (arts. 186 e 932, III).
A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público passou por diversas fases (para melhor compreensão do tema, ver matéria do professor Celso):
a) Fase da irresponsabilidade do Estado (the king can do not wrong).
b) Fase civilista – estava prevista no art. 15 do código anterior, que responsabilizava as pessoas jurídicas de direito público, desde que a vítima provasse dolo ou culpa do funcionário (assegurava-se ao Estado ação regressiva)
c) Fase publicista – foi instituída a partir da CF/46, quando a questão passou a ser tratada em nível de direito público. A responsabilidade passou a ser objetiva, mas na modalidade do risco administrativo (e não do risco integral, em que o Estado responde em qualquer circunstância).
Com a adoção, a partir de 1946, da responsabilidade objetiva, a vítima não tem mais o ônus de provar culpa ou dolo do funcionário. Todavia, com pela teoria do risco administrativo, admite-se a inversão do ônus da prova, ou seja, o Estado pode se exonerar da responsabilidade de indenizar se provar culpa exclusiva da vítima, força maior e fato exclusivo de terceiro. Em caso de culpa concorrente da vítima, a indenização será reduzida segundo a sua contribuição para a ocorrência do evento. A teoria do risco administrativo opõe-se à teoria do risco integral, segundo a qual o Estado sempre deve indenizar independentemente de nexo causal, ou seja, não pode provar caso fortuito, força maior, culpa exclusiva etc.
Atualmente, o assunto está tratado no art. 37, § 6 º da CF, que trouxe duas inovações em relação às constituições anteriores: substituiu a expressão “funcionários” por “agentes”, que é mais ampla; estendeu a responsabilidade objetiva às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos (concessionárias e permissionárias). Vale dizer que os entes políticos concedentes dos serviços públicos (U-E-DF-M) respondem subsidiariamente. A matéria também está tratada no art. 43 do CC.
Para uns, a responsabilidade é objetiva mesmo no caso de omissão (culpa anônima da administração, quando não se identifica o funcionário causador do dano). Todavia, vem-se entendendo que no caso da omissão a responsabilidade é subjetiva. Não há obrigação de o Estado indenizar no caso de alguém sofrer prejuízo decorrente, por exemplo, de um assalto, já que o dano não foi anormal (a obrigação subsistirá caso o assalto se dê dentro de uma delegacia, por exemplo).
O STF já decidiu que as ações fundadas na responsabilidade objetiva do Estado só podem ser ajuizadas contra a pessoa jurídica. Todavia, se o autor se dispõe a provar a culpa ou dolo do servidor (responsabilidade subjetiva), abrindo mão de uma vantagem, poderá movê-la diretamente contra o causador do dano, principalmente porque a execução contra o particular é menos demorada, não sujeita à expedição de precatórios; se preferir, pode o particular mover a ação contra ambos, desde que se proponha a provar a culpa ou o dolo do agente público.
Pode haver ação regressiva do Estado contra o agente causador do dano, devendo a pessoa jurídica provar que este agiu com dolo ou culpa. Segundo o STJ, o Estado, na ação movida pelo particular, pode denunciar a lide ao seu agente que causou o dano, nos termos do art. 70, III do CPC. O STJ, portanto, repele a corrente restritiva, que não admite a denunciação da lide nesses casos, porque a discussão sobre a culpa ou dolo na lide secundária (entre o Estado e o funcionário) introduziria um elemento novo na demanda, retardando a solução da lide principal entre a vítima e o Estado. E também porque se entende não ser correto o Estado assumir posições antagônicas no mesmo processo: na lide principal, ao contestar, alegando culpa exclusiva da vítima; e, na lide secundária, atribuindo culpa ou dolo ao seu funcionário.
9. EXTINÇÃO DA PESSOA JURÍDICA
Pode se dar pelas seguintes causas (arts. 54, VI, 2ª parte e 1.033 do CC):
a) Convencional – por deliberação de seus membros, conforme o quorum previsto no estatuto ou em lei.
b) Legal – em razão de motivo determinante na lei (art. 1.034).
c) Administrativa – quando as pessoas jurídicas dependem de aprovação ou autorização do Poder Público e praticam atos nocivos ou contrários aos seus fins; nestes casos pode haver provocação de qualquer do povo ou do MP.
d) Natural – resulta da morte de seus membros, se não ficou estabelecido que prosseguirá com os herdeiros.
e) Judicial – quando se configura algum dos casos de dissolução previstos em lei ou no estatuto e a sociedade continua a existir, obrigando um dos sócios a ingressar em juízo.
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LIVRO II
DOS BENS
I – INTRODUÇÃO
Todo direito tem o seu objeto. Como o direito subjetivo é poder outorgado a um titular, requer um objeto (sobre o objeto desenvolve-se o poder de fruição da pessoa). Em regra, esse poder recai sobre um bem. Assim, bem, em sentido filosófico, é tudo o que satisfaz uma necessidade humana. Juridicamente falando, muitas vezes o conceito de bem é utilizado como sinônimo de coisa. Doutrina não chega a um consenso. Vejamos as opiniões existentes sobre o assunto:
a) Carlos Roberto Gonçalves – “Ás vezes, coisas são o gênero e bens, a espécie; outras vezes, estes são o gênero e aquelas, a espécie; outras, finalmente, são os dois termos usados como sinônimos, havendo então entre eles coincidência de significação. O Código Civil de 1916 não os distinguia, usando ora a palavra coisa, ora a palavra bem, ao se referir ao objeto do direito. O novo, ao contrário, utiliza sempre a expressão bens, evitando o vocábulo coisa, que é conceito mais amplo do que o de bem. Bens, portanto, são coisas materiais ou concretas, úteis aos homens e de expressão econômica, suscetíveis de apropriação”. Para o professor, portanto, no conceito de bem está embutida a idéia de utilidade e raridade, suscetível de apropriação e valor econômico; por outro lado, coisa é tudo que existe objetivamente, com exclusão do homem.
b) Vitor Kümpel – a palavra coisa possui “noção extremamente ampla em razão de abarcar tudo o que existe na natureza, exceto a própria pessoa e Deus. A noção de bem é mais apropriada, por ser espécie que tem por gênero a coisa. Bem deriva de ‘bonum’, aquilo que é apropriável pelo homem. Dessa forma, todos os bens são coisas, mas nem todas as coisas são bens. Só os bens podem participar de relações jurídicas, podendo ser apreciáveis e apropriáveis. Nosso legislador não fez questão de distinguir as duas palavras, dando a impressão de tê-las usado como sinônimos, contudo, tecnicamente é bom observar a distinção. O mar e o ar atmosférico são coisas, porém nem sempre são bens, só quando suscetível de apropriação pelo homem, estabelecendo, então a relação jurídica”.
c) Nelson Rosenvald – “Não obstante a existência de sério dissídio da distinção entre coisa e bem, termos utilizados de modo muitas vezes promíscuo, concordamos com o mestre lusitano Menezes Cordeiro, ao advertir que parece ocorrer uma certa tendência a restringir ‘coisa’ às realidades corpóreas, enquanto os ‘bens’ se alargam a realidades imateriais, falando-se em ‘bens imateriais’ ou ‘bens da personalidade’. Neste passo aderimos ao posicionamento de Orlando Gomes, no sentido de estabelecer uma relação de gênero e espécie entre bem e coisa, sendo possível a existência de bens com ou sem qualquer expressão econômica, enquanto a coisa sempre apresenta economicidade e é inevitavelmente corpórea. A materialidade é o traço que o aparta”.
Diz Carlos Roberto, ainda, que os romanos faziam a distinção entre bens corpóreos e incorpóreos: corpóreos são os que têm existência física, material e podem ser tangidos pelo homem, além de serem objeto de compra e venda; incorpóreos são os que têm existência abstrata, mas valor econômico (direito autoral, crédito, sucessão aberta etc.), sendo, portanto, objeto de cessão.
Diz ainda o professor que, certas coisas, insuscetíveis de apropriação pelo homem (ar atmosférico, o mar etc.), são chamadas de coisas comuns, não podendo ser objeto de relação jurídica. Todavia, é possível a apropriação em porções limitadas, tornando-se objeto do direito (ex: gases comprimidos, água fornecida pela administração pública etc.). As coisas sem dono (res nullius), porque nunca foram apropriadas, como a caça, os peixes, podem sê-lo, pois acham-se à disposição de quem as encontrar ou apanhar, embora essa apropriação possa ser regulamentada para fins de proteção ambiental. A coisa móvel abandonada (res derelicta) foi objeto de relação jurídica, mas o seu titular a lançou fora, com a intenção de não mais tê-la para si. Nesse caso, pode ser apropriada por qualquer pessoa.
Patrimônio – é representado pelo acervo de bens da pessoa, conversíveis em dinheiro, ou seja, a idéia de patrimônio está ligada à idéia de valor econômico, suscetível de ser convertido em pecúnia. Clóvis Beviláqua o define como sendo o complexo das relações jurídicas de uma pessoa que tiverem valor econômico, composto por todo o ativo e todo o passivo, podendo, desta forma, haver pessoa com patrimônio negativo (como o insolvente). Pode-se empregar o termo patrimônio nos seguintes sentidos: patrimônio bruto (soma do ativo); patrimônio líquido (ativo menos o passivo). Não se incluem no patrimônio as qualidades pessoais, como a capacidade física ou técnica, o conhecimento, a força de trabalho, porque são considerados simples fatores de obtenção de receitas, quando utilizados para esses fins, malgrado a lesão a esses bens possa acarretar a devida reparação.
II – CLASSIFICAÇÃO
1. INTRODUÇÃO
Classificação é uma operação do espírito, um procedimento de ordem lógica, que tem por escopo facilitar a inteligência de um fenômeno. A clareza de um conceito exige não só que ele seja definido, mas também seja que classificado. A operação de classificar consiste na tentativa de agrupar as várias espécies de um gênero, de forma a aproximar as que apresentam um elemento comum e afastar aquelas que não o apresentam. Uma classificação é tanto mais perfeita quanto mais se aproxima de alcançar as seguintes condições: a) ela não deve deixar resíduos (ou seja, todas as espécies devem estar compreendidas nalguma das categorias estabelecidas); b) deve haver mais semelhança entre duas espécies contidas na mesma classe do que entre espécies contidas em classes diferentes.
A classificação dos bens é feita segundo critérios de importância científica, pois a inclusão de um bem em determinada categoria implica a aplicação automática de regras próprias e específicas, visto que não podem aplicar as mesmas regras a todos os bens. O código civil classifica, inicialmente, os “bens considerados em si mesmo”, e, posteriormente, “os bens reciprocamente considerados”.
2. BENS CONSIDERADOS EM SI MESMOS
2.1. Bens Imóveis e Bens Móveis
Bens imóveis são as coisas que não se podem transportar, sem destruição, de um lugar para o outro (esse conceito não abrange os imóveis por determinação legal, previstos no art. 80). Nos termos do art. 79 do CC, “são bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente”. Assim, podemos classificar os bens imóveis em quatro categorias:
a) Imóveis por sua natureza – somente se considera imóvel por natureza o solo, com sua superfície, subsolo e espaço aéreo. Tudo o mais que a ele adere deve ser classificado como imóvel por acessão. Mas vale ressaltar que o direito de propriedade, recaindo sobre o imóvel, encontra limite, no que concerne à altura e à profundidade, na medida da utilidade de seu exercício.
b) Imóveis por acessão natural – fundamentam-se no próprio art. 79, incluindo-se nessa categoria as árvores e os frutos pendentes, bem como todos os acessórios e adjacências naturais (as árvores, quando destinadas ao corte, são consideradas bens móveis por antecipação). Vale dizer que as árvores não serão imóveis, em razão da possibilidade de remoção sem destruição, quando plantadas em vasos.
c) Imóveis por acessão industrial (ou artificial) – acessão significa justaposição ou aderência de uma coisa a outra; acessão artificial é a produzida pelo trabalho do homem (plantações e construções). Assim, é tudo quanto se incorporar permanentemente ao solo, como a semente lançada à terra, os edifícios e construções. Não se incluem nesse conceito, portanto, as construções provisórias, que se destinam a remoção ou retirada, como os circos e parques de diversões, as barracas de feiras, pavilhões etc.
ð O novo código não menciona os chamados bens imóveis intelectuais (ou por destinação do proprietário – art. 43, III do CC/16). Eram aqueles que o proprietário imobilizava por sua vontade, mantendo-os intencionalmente empregados em sua exploração industrial, aformoseamento, ou comodidade, como as máquinas (inclusive tratores) e ferramentas, os objetos de decoração, os aparelhos de ar-condicionado etc. A razão é que o novo código acolhe o conceito de pertença (art, 93), como se verá.
d) Imóveis por determinação legal – são bens aos quais a própria lei atribui a qualidade de imóvel. Nos termos do art. 80, para efeitos legais, consideram-se imóveis: os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram; o direito à sucessão aberta. São bens incorpóreos, imateriais (direitos), que não são, em si, móveis ou imóveis. O legislador, no entanto, para maior segurança das relações jurídicas, os considera imóveis. O direito abstrato à sucessão aberta é considerado bem imóvel, ainda que os bens deixados pelo de cujus sejam todos móveis. A renúncia da herança é, portanto, renúncia de imóvel, devendo ser feita por escritura pública ou termo nos autos (art. 1.806), mediante autorização do cônjuge, se o renunciante for casado, e recolhimento da sisa.
ð Nos termos do art. 81, não perdem o caráter de imóveis: a) as edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas para outro local (casas pré-fabricadas); b) os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem. Ou seja, considera-se a finalidade da separação, a destinação dos materiais. Coerentemente, aduz o art. 84: “Os materiais destinados a alguma construção, enquanto não forem empregados, conservam sua qualidade de móveis; readquirem essa qualidade os provenientes da demolição de algum prédio”.
Bens móveis, nos termos do art. 82, são “os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social”. Aqui, podemos classificar os bens móveis de duas formas:
a) Móveis por natureza – é exatamente o conceito que acima se viu, nos termos do art. 82, ou seja, são aqueles bens suscetíveis de movimento próprio ou de remoção por força alheia, sem alteração da sua qualidade. De acordo com este dispositivo, os bens móveis por natureza, por sua vez, podem ser de duas ordens: 1) semoventes – são os suscetíveis de movimentos próprios, como os animais; 2) móveis propriamente ditos – são os bens passíveis de remoção por força alheia.
b) Móveis por definição legal – estão previstos no art. 83, que considera móveis para efeitos legais: a) as energias que tenham valor econômico; b) os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes; c) os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações. São bens imateriais, que adquirem essa qualidade jurídica por disposição legal. Podem ser cedidos, independentemente de outorga uxória ou marital. Incluem-se, nesse rol, o fundo de comércio, as quotas e ações de sociedades empresárias, os direitos do autor, os créditos em geral etc.
c) Móveis por antecipação – trata-se de classificação doutrinária, considera os bens incorporados ao solo, mas com a intenção de separá-los oportunamente e convertê-los em móveis, como as árvores destinadas ao corte. Ou então, os que, por sua ancianidade, são vendidos para fins de demolição.
A classificação entre bens imóveis e móveis é a mais importante, fundada na efetiva natureza dos bens. Segue, abaixo, tabela com os principais efeitos práticos decorrentes dessa classificação.
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IMÓVEIS
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MÓVEIS
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Aquisição da propriedade
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Registro do título, acessão, usucapião.
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Ocupação, caça, pesca, invenção, tradição etc.
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Alienação
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Exige-se outorga uxória, nos termos do art. 1.647 (é dispensável no regime da separação absoluta). Sujeitam-se o ITBI.
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Podem ser alienados livremente, por qualquer dos cônjuges. Em caso de alienação pagam ICMS.
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Sucessão provisória do ausente
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Só podem ser alienados em caso de desapropriação ou quando ordenado pelo juiz
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Não há restrições
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Usucapião
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Maiores prazos
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Prazos reduzidos
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Outras regras
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Estão sujeitos à concessão de superfície.
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Estão sujeitos ao mútuo
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2.2. Bens Fungíveis e Infungíveis
Vejamos:
a) Fungíveis – nos termos do art. 85, são “os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade”, como o dinheiro. Como se vê, a fungibilidade é característica dos bens móveis, todavia, pode ocorrer, em certos negócios, que venha a alcançar os imóveis, como no ajuste, entre sócios de um loteamento, sobre eventual partilha em caso de desfazimento da sociedade, quando o que se retira receberá certa quantidade de lotes. Enquanto não lavrada a escritura, será ele credor de coisas determinadas apenas pela espécie, qualidade e quantidade.
b) Infungíveis – são os bens que não têm o atributo da substitutividade, pois são encarados de acordo com as suas qualidades individuais, como, por exemplo, o quadro de um pintor célebre, uma escultura famosa etc. O conceito não foi dado pelo código. Porém, não é pelo fato de o art. 85 só haver definido bem fungível que, por isso, deixam de existir os infungíveis; mesmo porque se define o bem fungível para distingui-lo do infungível.
A fungibilidade ou a infungibilidade resultam não só da natureza do bem como também da vontade das partes. É o caso, por exemplo, da moeda, que é bem fungível, todavia, determinada moeda pode tornar-se infungível, para um colecionador; ou a cesta de frutas, que é bem fungível, mas, emprestada para ornamentação, transforma-se em infungível (comodatum ad pompam vel ostentationem).
Vejamos as importâncias práticas da classificação:
a) O mútuo só recai sobre bens fungíveis, e o comodato sobre infungíveis.
b) A compensação só se efetua entre dívidas, líquidas, vencidas e fungíveis.
c) Se o devedor efetua pagamento com uma coisa fungível, e que não podia alhear, não pode o verdadeiro dono reclamar desta a devolução se a coisa já foi consumida e o credor prova sua boa-fé; por outro lado, se efetua o pagamento com coisa infungível, pode o dono reivindicar a coisa (art. 307, parágrafo único).
d) As obrigações também se classificam em fungíveis e infungíveis.
e) As ações possessórias são fungíveis entre si.
2.3. Bens Consumíveis e Inconsumíveis
a) Consumíveis – nos termos do art. 86, “são consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação”. De acordo com este conceito, podemos distinguir tais bens em: 1) consumíveis de fato – são os bens cujo uso importa destruição imediata da substância, como os gêneros alimentícios; 2) consumíveis de direito – aqueles destinados à alienação, como, por exemplo, um livro colocado à venda, ou o dinheiro.
b) Inconsumíveis – são os bens que admitem o uso reiterado, sem destruição da substância. Vale dizer que um bem, por natureza, consumível, pode tornar-se inconsumível pela vontade das partes, como, por exemplo, uma garrafa de bebida rara emprestada para uma exposição. Assim também, um bem inconsumível de fato pode transforma-se em juridicamente consumível (são os bens consumíveis de direito, como se viu acima).
Certos direitos não podem recair, em regra, sobre bens consumíveis, como, por exemplo, o usufruto. Todavia, quando o usufruto tiver por objeto um bem consumível, passa a se chamar de usufruto impróprio (ou quase usufruto), sendo neste caso o usufrutuário obrigado a restituir, findo o usufruto, os que ainda existirem e, dos outros, o equivalente em gênero, qualidade e quantidade, ou, não sendo possível, o seu valor, estimado ao tempo da restituição (art. 1.392, § 1º).
2.4. Bens Divisíveis e Indivisíveis
De acordo com o art. 87, “bens divisíveis são os que se podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição considerável de valor, o prejuízo do uso a que se destinam”. Ou seja, são bens que se podem fracionar em porções reais e distintas, formando casa qual um todo perfeito. Verifica-se que o código introduziu, na divisibilidade, o critério da diminuição considerável de valor (ex: um brilhante de 50 quilates se for dividido, sofrerá diminuição considerável de valor, razão pela qual é indivisível).
Ainda, nos termos do art. 88, “os bens naturalmente divisíveis podem tornar-se indivisíveis por determinação da lei ou por vontade das partes”. Ou seja, verifica-se que os bens podem ser indivisíveis: a) por natureza – os que não se podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição de valor ou prejuízo; b) por determinação legal – são, por exemplo, as servidões e as hipotecas; c) por vontade das partes – o acordo tornará a coisa comum indivisa por prazo não maior que 5 anos, suscetível de prorrogação ulterior (art. 1.320, § 1º); se a indivisão for estabelecida pelo doador ou testador, não poderá exceder a cinco anos (§ 2º).
Relevância prática na distinção:
a) Extinção do condomínio – se divisível a coisa, cada comunheiro receberá seu quinhão; se indivisível, os consortes podem adjudicá-la a um só, indenizando os outros ou vender a coisa e repartir o preço (art. 1.322).
b) Hipoteca de coisa comum – se a coisa for divisível, cada condômino pode hipotecar sua parte independentemente de intervenção dos outros; mas, sendo indivisível, só pode ser hipotecada no todo, e isso somente com o consentimento da generalidade dos condôminos.
Observações finais: os imóveis rurais, por lei, não podem ser divididos em frações inferiores ao módulo rural; a Lei 6.766/79 (Parcelamento do Solo Urbano) proíbe o desmembramento em lotes cuja área seja inferior a 125 m², exigindo frente mínima de 5 m (art. 4º, II); as obrigações também são divisíveis ou indivisíveis, conforme seja ou não o objeto da prestação.
2.5. Bens Singulares e Coletivos
a) Singulares – o art. 89 os define como “os bens que, embora reunidos, se consideram de per si, independentemente dos demais”. Assim, são singulares os bens quando considerados na sua individualidade (ex: uma árvore). A árvore pode ser, portanto, bem singular ou coletivo, conforme encarada individualmente ou agregada a outras, formando um todo (floresta).
b) Coletivos – são chamados de universais ou universalidades, abrangendo:
ð Universalidades de fato (universitas rerum) – o art. 90 as considera como “a pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária”, como, por exemplo, o rebanho, a biblioteca. Acrescenta no parágrafo único que os bens que formam a universalidade podem ser objeto de relações jurídicas próprias.
ð Universalidade de direito (universitas júris) – segundo o art. 91, trata-se do “complexo de relações jurídicas de uma pessoa, dotadas de valor econômico”, como, por exemplo, a herança, o patrimônio, o fundo de comércio. A saída ou a substituição de algumas dessas relações jurídicas não faz com que o remanescente deixe de ser um patrimônio ou uma herança, por exemplo.
2.6. Quanto à Possibilidade de Comercialização
Embora o novo código não tenha dedicado um capítulo aos bens que estão fora do comércio (extra commercium), como o fizera o código anterior, encontram-se nessa situação os bens:
a) Naturalmente indisponíveis – são os insuscetíveis de apropriação pelo homem, como, por exemplo, o ar atmosférico, a água do mar etc. Vale dizer que o ar atmosférico e a água do mar que puderem ser captados, em pequenas porções, podem ser comercializados, porque houve apropriação.
b) Legalmente indisponíveis – são os bens públicos de uso comum do povo e de uso especial, assim como os bens dos incapazes etc. Aqui se encontram os valores e direitos da personalidade, preservados em respeito à dignidade humana, como a liberdade, a honra, a vida etc., bem como os órgãos do corpo humano, cuja comercialização é expressamente vedada pela CF (art. 199).
c) Indisponíveis pela vontade humana – são, por exemplo, os deixados em testamento ou doados com a cláusula da inalienabilidade (arts. 1.848 e 1.911). A cláusula da inalienabilidade implica a impenhorabilidade e a incomunicabilidade (é o que já dispunha a súmula 49 do STF).
3. BENS RECIPROCAMENTE CONSIDERADOS
3.1. Noções Gerais e Pertenças
Sob este aspecto os bens se dividem em principais e acessórios. Nos termos do art. 92, principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente (tem existência própria); bem acessório é aquele cuja existência supõe a do principal. Assim, o solo é bem principal, porque existe sobre si, concretamente, sem qualquer dependência, enquanto que a árvore é um bem acessório, porque sua existência supõe a do solo, onde foi plantada. Podemos dizer, ainda, que os contratos de locação, de compra e venda são principais, enquanto que a fiança e a cláusula penal são acessórias.
A conseqüência desta distinção é que, em regra, o bem acessório segue o destino do principal (acessorium sequitur suum principale). Para que tal não ocorra é necessário que tenha sido convencionado o contrário pelas partes, ou que de modo contrário estabeleça algum dispositivo legal (pelo art. 1.284, os frutos pertencem ao dono do solo onde caíram e não ao dono da árvore). A regra de que o acessório segue a sorte do principal traz algumas conseqüências:
a) A natureza do acessório é a mesma do principal (se o solo é imóvel, a árvore também o será).
b) O acessório acompanha o principal em seu destino (extinta a obrigação principal, extingue-se também a acessória; mas o contrário não é verdadeiro).
c) O proprietário do principal é proprietário do acessório (ex: art. 237).
Vale dizer que o novo código inovou quanto à matéria ora tratada, ao trazer no rol dos bens acessórios, as pertenças, que não obedecem a regra, segundo a qual o acessório segue a sorte do principal. Nos termos do art. 93, pertenças são bens móveis que, não constituindo partes integrantes (como o são os frutos, produtos e benfeitorias), estão afetados por forma duradoura ao uso e ao serviço, ou aformoseamento (ornamento) de outro, como tratores destinados a uma melhor exploração de propriedade agrícola e os objetos de decoração de uma residência, por exemplo. Por sua vez, o art. 94 mostra a distinção entre pertença e parte integrante (frutos, produtos e benfeitorias), ao proclamar que os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade, ou das circunstâncias do caso. Pelo dispositivo citado, verifica-se, a contrario sensu, que a regra “o acessório segue o principal” aplica-se somente às partes integrantes, e não às pertenças. É pertença, por exemplo, o som do carro, razão pela qual, na compra do veículo, o som, em regra, não está incluído, a não ser que as partes estipulem o contrário ou resulte das circunstâncias.
3.2. Frutos e Produtos
Na grande classe dos bens acessórios compreendem-se os produtos (são as utilidades que se retiram da coisa, diminuindo-lhe a quantidade, porque não se reproduzem periodicamente, como as pedras e os metais, que se extraem das pedreiras e das minas) e os frutos (são as utilidades que uma coisa periodicamente produz, sem alteração ou perda de sua substância). Assim, a distinção entre ambos reside no fato de que a colheita do fruto não diminui o valor nem a substância da fonte. Além disso, os frutos nascem e renascem da coisa, sem acarretar-lhe a destruição no todo ou em parte, como o café, os cereais, os frutos da árvore etc. Tal distinção possui relevantes efeitos, como no caso do usufruto (art. 1.394), no qual o usufrutuário faz jus aos frutos, mas não aos produtos.
A esta idéia de frutos e produtos deve-se acrescentar a noção de separabilidade da coisa principal, isto é, necessário, ainda, que frutos e produtos possam ser separados, tornando-se coisas independentes, perdendo o vínculo de dependência, deixando, assim, de serem bens acessórios. Essa virtualidade permite que os frutos e produtos sejam objetos de relação jurídica distinta, nos termos do art. 95 (“apesar de ainda não separados do bem principal, os frutos e produtos podem ser objeto de negócio jurídico”). Por isso alguns autores sustentam a tese dos bens móveis por antecipação, ao explicar que mesmo não separados da coisa principal, frutos e produtos podem ser objeto de negócio jurídico. Assim, sendo futura a sua existência, podem ser objeto de livre pactuação entre as partes.
Os frutos, quanto à origem, dividem-se em:
a) Naturais – são os que se desenvolvem e se renovam periodicamente, em virtude da força orgânica da própria natureza, como as frutas das árvores, as crias dos animais etc.
b) Industriais – são concebíveis a partir da intervenção do esforço humano (pela mão dos homens), isto é, os que surgem em razão da atuação do homem sobre a natureza (ex: produção de uma fábrica).
c) Civis – são os rendimentos produzidos pela coisa, em virtude de sua utilização por outrem que não o proprietário (ex: rendas, aluguéis, foros, juros etc.).
Nelson Rosenvald ressalta para o fato de que, em qualquer caso, da produção periódica da coisa só deve ser tido como fruto o que sobrar depois de descontado o que for necessário para a manutenção de sua substância. Ex: o resultado da colheita de fruta em um pomar só deve ser tido como fruto naquilo em que exceda o custo do investimento necessário à sua frutificação seguinte, pelo que devem ser deduzidas as despesas de frutificação.
Quanto ao seu estado, Beviláqua ainda distingue os frutos em:
a) Pendentes – enquanto unidos à coisa que os produziu.
b) Percebidos (ou colhidos) – são depois de separados.
c) Estantes – os separados e armazenados para venda.
d) Percipiendos – os que deviam ser mas não foram colhidos ou percebidos.
e) Consumidos – não existem mais, pois foram utilizados.
Tal distinção é de grande relevância prática, utilizada inclusive pelo legislador, como por exemplo, no art. 1.214, segundo o qual, “o possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos”.
3.3. Benfeitorias
Também se consideram acessórias todas as benfeitorias, independentemente do seu valor. Assim, benfeitoria é uma espécie de bem acessório, constante de obra levada a efeito pelo homem, com o propósito de conservar, melhorar ou simplesmente embelezar uma coisa determinada. Pode ser, segundo o art. 96:
a) Necessária – é realizada com o fim de conservar a coisa ou evitar sua deterioração ou de poupar-lhe de um estrago iminente.
b) Útil – tem por fim melhorar a utilização da coisa, como por exemplo, a construção de nova entrada para um prédio.
c) Voluptuária – almeja tão somente proporcionar maior deleite, sem aumentar a utilidade da coisa, embora possa torná-la mais agradável ou aumentar-lhe o valor, como, por exemplo, um jardim.
Essa classificação não tem caráter absoluto, pois uma mesma benfeitoria pode enquadrar-se em uma ou outra espécie, dependendo das circunstâncias. Assim, uma piscina, por exemplo, pode ser considerada voluptuária em uma casa, mas útil ou necessária em uma escola de natação. Isso porque, segundo o professor Carlos Roberto, benfeitorias necessárias não são apenas as que se destinam à conservação da coisa, mas também as realizadas para permitir a normal exploração econômica do bem. Assim, segundo Álvaro Bourguignon, para a identificação da natureza jurídica das benfeitorias é fundamental a avaliação da sua relação com a coisa.
O efeito prático relevante desta distinção reside em que, segundo o artigo 1.219 o possuidor de boa-fé somente receberá indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis, podendo levantar as voluptuárias. Por outro lado, o possuidor de má-fé somente recebe indenização das benfeitorias necessárias (art. 1.220).
Benfeitorias não se confundem com acessões industriais (ou artificiais), previstas nos arts. 1.253 a 1.259, e que constituem construções e plantações. Benfeitorias são obras ou despesas em bem já existente, enquanto que as acessões industriais são obras que criam coisas novas e têm regime jurídico diverso, sendo um dos modos de aquisição da propriedade. Em algumas hipóteses, torna-se extremamente delicada a distinção de uma obra que evolui para acessão ou benfeitoria (ex: construção de um muro ou de uma garagem em um terreno desprovido de qualquer construção). Nesse exemplo, não seria benfeitoria propriamente dita, pois a obra não objetivou a conservação de uma outra construção considerada como bem principal. Tampouco poderíamos vislumbrar rigorosa adequação ao conceito de acessão, eis que a edificação de um muro ou garagem não significa exatamente a aquisição de propriedade imobiliária. Nessas situações fronteiriças, nada melhor do que aplicar o sistema que melhor proporcione dividendos jurídicos ao possuidor, normalmente o das benfeitorias, pela garantia legal do direito de retenção e pela pretensão à indenização das benfeitorias necessárias, mesmo na má-fé (ao contrário da repercussão da acessão de má-fé em imóvel alheio, nos termos do art. 1.255).
Nelson Rosenvald acrescenta que tudo o que se incorpora permanentemente à coisa já existente é benfeitoria em sentido lato, razão pela qual, os custos de conservação jurídica e física do bem como pagamento de tributos, gastos com processos demarcatórios e divisórios, adubação de terreno e ração para animais são benfeitorias necessárias, compreendidas no sentido amplo de despesas essenciais à conservação física ou integridade jurídica da coisa.
Muito embora o novo código não tenha repetido as exceções constantes do art. 62 do código anterior, não se consideram bens acessórios: a pintura em relação à tela, a escultura em relação à matéria-prima e a escritura ou qualquer outro trabalho gráfico em relação à matéria-prima que os recebe, considerando-se o maior valor do trabalho em relação ao do bem principal (art. 1.270, § 2º).
4. BENS QUANTO AO TITULAR DO DOMÍNIO
Nos termos do art. 98, são públicos “os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno”. Os bens particulares são definidos por exclusão, dizendo que código que “todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem”. O código civil apenas se preocupou em conceituar o que é bem público, todavia, escapa à órbita do direito civil especificar quais bens efetivamente são públicos, matéria esta destinada ao direito constitucional (art. 20 da CF).
Os bens públicos, quanto à finalidade a que se destinam, podem ser de três classes:
a) Bens de uso comum do povo – são os que podem ser utilizados por qualquer um do povo, sem formalidades. O código exemplifica com os rios, estradas, ruas e praças. Eles não perdem essa característica se o Poder Público regulamentar seu uso, ou torná-lo oneroso, instituindo a cobrança de pedágio, por exemplo (art. 103). A administração também pode restringir ou vedar o seu uso, em razão de segurança nacional ou de interesse público, interditando uma estrada, por exemplo, ou proibindo o trânsito por determinado local. O povo somente tem direito de usar o bem, não tendo, assim, o domínio.
b) Bens de uso especial – são os que se destinam especialmente à execução dos serviços públicos. É o caso, por exemplo, dos edifícios onde estão instalados os serviços públicos, inclusive os das autarquias, e órgãos da administração.
c) Bens dominicais (ou dominiais) – são que os que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público interno, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades. Sobre eles o poder público exerce poderes de proprietário. Incluem-se nessa categoria as terras devolutas, as estradas de ferro, oficinas e fazendas pertencentes ao Estado. Como não estão afetados a uma finalidade pública específica, podem ser alienados por meio de institutos de direito privado ou de direito público, observadas as exigências da lei.
Os bens de uso comum do povo e os de uso especial são do domínio público do Estado, ao passo que os bens dominiais são do domínio privado do Estado. Assim, esses últimos, quando não afetados por uma finalidade específica, encontrar-se-ão no comércio de direito privado (art. 101).
Como regra, portanto, podemos dizer que os bens de uso comum do povo e os de uso especial apresentam a característica da inalienabilidade. Todavia, esta não é absoluta (a não ser com relação àqueles bens que são insuscetíveis de valoração patrimonial, como o mar etc.). Assim, os suscetíveis de valoração patrimonial podem perder a inalienabilidade que lhes é peculiar pela desafetação (art. 100). Por outro lado, a alienabilidade dos bens dominicais também não é absoluta, porque podem perdê-la pelo instituto da afetação (ato ou fato pelo qual um bem passa da categoria de bem do domínio privado para a categoria de bem do domínio público).
Por fim, todos os bens públicos, seja ele qual for, são imprescritíveis, ou seja, não estão sujeitos ao usucapião, nos termos do art. 102. Nesse sentido já proclamava a súmula 340 do STF.
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LIVRO III
DOS FATOS JURÍDICOS
I – DO NEGÓCIO JURÍDICO
1. DISPOSIÇÕES GERAIS
1.1 Conceito
Fato jurídico é todo acontecimento da vida relevante para o direito, mesmo que seja fato ilícito. Segundo o professor Carlos Roberto Gonçalves, o fato jurídico em sentido amplo pode ser classificado da seguinte forma:
a) Fatos naturais (ou fatos jurídicos em sentido estrito) – decorrem da natureza, podendo ser:
ð Ordinários – é o caso do nascimento, da morte, maioridade etc.
ð Extraordinários – terremoto, raio, tempestade etc.
b) Fatos humanos (ou atos jurídicos em sentido amplo) – decorrem da atividade humana, podendo, por sua vez, ser:
ð Atos ilícitos – produzem efeitos jurídicos involuntários, impostos pela lei.
ð Atos lícitos – a lei defere os efeitos queridos pelo agente, podendo ser:
1. Ato jurídico em sentido estrito (ou meramente lícito)
2. Negócio jurídico
3. Ato-fato jurídico
Tanto no ato jurídico em sentido estrito quando no negócio jurídico, exige-se manifestação de vontade. Todavia, no negócio jurídico a ação humana visa diretamente a alcançar um fim prático permitido na lei, dentre a multiplicidade de efeitos possíveis (por essa razão é necessária uma vontade qualificada, sem vícios). Por sua vez, no ato jurídico em sentido estrito, o efeito da manifestação de vontade está predeterminado na lei (ex: reconhecimento de filho, tradição ocupação, notificação etc.), não havendo, por isso, qualquer dose de escolha da categoria jurídica (a ação humana se baseia não numa vontade qualificada, mas em simples intenção). Por tais razões, nem todos os princípios do negócio jurídico, como os vícios do consentimento e as regras sobre nulidade ou anulabilidade, aplicam-se aos atos jurídicos em sentido estrito, já que não são provenientes de uma declaração de vontade, mas de uma simples intenção.
Ato jurídico em sentido estrito é sempre unilateral e potestativo. É unilateral porque basta uma única manifestação de vontade, e é potestativo porque permite que o ato interfira na esfera jurídica de outra pessoa, sem que esta impeça.
Os negócios jurídicos podem ser unilaterais ou bilaterais (contratos). Negócio jurídico unilateral é o que se estabelece por meio da vontade de um único agente, ou de mais de um, porém estando as vontades na mesma direção, colimando um único objetivo (ex: promessa de recompensa ou títulos ao portador). Eles podem ser receptícios (os efeitos só se produzem após o conhecimento da declaração pelo destinatário – é o caso da oferta) ou não receptícios (os efeitos independem do conhecimento do destinatário – é o caso do testamento). Negócio jurídico bilateral é o que depende, para sua formação, da existência de mais de uma vontade (o contrato é um negócio jurídico bilateral).
Ato-fato jurídico é um acontecimento para o qual a lei ou os costumes prevêem determinado efeito independentemente de qualquer manifestação de vontade. É o caso de se encontrar um tesouro (a lei diz quem será o proprietário). Também é ato-fato jurídico a compra de um picolé por absolutamente incapaz (os costumes dizem ser válido o ato). Neste último caso, diz o professor Vitor Kümpel que a representação do absolutamente incapaz é presumida.
Quanto à classificação dos negócios jurídicos, veja a matéria de contratos.
1.2. Interpretação do Negócio Jurídico
Em princípio, vale dizer que a vontade das partes exterioriza-se por meio de sinais ou símbolos, dentre os quais a palavra. Nos contratos escritos, a análise do texto conduz, em regra, à descoberta da intenção dos pactuantes (parte-se, portanto, da declaração escrita para se chegar à vontade dos contratantes). Quando, no entanto, determinada cláusula mostra-se obscura e passível de dúvida, alegando um dos contratantes que não representa com fidelidade a vontade manifestada por ocasião da celebração da avença, e tal alegação resta demonstrada, deve-se considerar como verdadeira esta última, pois o art. 112 declara que, “nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”. Adotou-se, portanto, a teoria da vontade, e não a da declaração.
Vejamos outros dispositivos:
a) Art. 113 – preceitua que os negócios jurídicos “devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. Deve o intérprete presumir que os contratantes procederam com lealdade.
b) Art. 114 – dispõe que “os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente”. Negócios benéficos (ou gratuitos) são os que envolvem uma liberalidade.
2. ELEMENTOS DO NEGÓCIO JURÍDICO
2.1. Introdução
Alguns elementos do negócio jurídico podem ser chamados de essenciais, porque constituem requisitos de existência e validade. Outros, porém, são chamados de acidentais, porque não exigidos pela lei, mas introduzidos pela vontade das partes, em geral, como requisitos de eficácia do negócio, como a condição, o termo e o encargo. Assim, o negócio jurídico pode ser estudado em três planos: o da existência, o da validade e o da eficácia.
2.2. Requisitos de Existência
Os requisitos de existência do negócio jurídicos são os seus elementos estruturais, ou seja, faltando qualquer deles o negócio não existe. O professor Carlos Roberto enumera os seguintes elementos:
a) Manifestação de vontade – pode ela ser expressa (falada, escrita etc.) ou tácita (inclusive, o silêncio pode ser interpretado como manifestação tácita, nos termos do art. 111). Uma vez manifestada a vontade, ela obriga o contratante (pacta sunt servanda), fazendo o contrato lei entre as partes. Todavia, ao princípio da obrigatoriedade dos contratos opõe-se a revisão por onerosidade excessiva, baseado na cláusula rebus sic stantibus. Vale mencionar, ainda, o princípio da autonomia da vontade, pelo qual as pessoas têm liberdade de celebrar negócios jurídicos, observando os limites legais. Finalmente, nos termos do art. 110, “a manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento”.
b) Finalidade negocial – é a intenção de criar, modificar ou extinguir direitos.
c) Idoneidade do objeto – os objetos devem ser aptos a gerar o contrato desejado (ex: se a intenção é celebrar um contrato de mútuo, a manifestação de vontade deve recair sobre coisa fungível).
Os requisitos de existência não são mencionados pelo código, pois não há necessidade que assim o fizesse, pois esse conceito encontra-se na base do sistema dos fatos jurídicos. Ainda, quanto aos elementos de existência e validade, veja a matéria de contratos.
2.3. Requisitos de Validade
Nos termos do art. 104, “a validade do negócio jurídico requer”:
a) Capacidade do agente – trata-se da capacidade de exercício (a capacidade de direitos todos têm – art. 1º), ou seja, é a aptidão para intervir em negócios jurídicos como declarante ou declaratário. Esta incapacidade é suprida por meio da representação ou da assistência. Devemos nos lembrar, como já visto anteriormente, que a incapacidade não se confunde com a falta de legitimação.
b) Objeto lícito, possível, determinado ou determinável – vejamos:
ð Objeto lícito – é o que não contraria a lei, a moral ou os bons costumes.
ð Objeto possível – a impossibilidade do objeto pode ser física (emana de leis físicas ou naturais) ou jurídica (a lei o proíbe, como o contrato sobre herança de pessoa viva – art. 426). A impossibilidade física deve ser absoluta, isto é atingir a todos, indistintamente (a relativa, que atinge só o devedor não constitui obstáculo ao negócio).
ð Objeto determinado ou determinável (indeterminado relativamente ou suscetível de determinação no momento da execução). Admite-se, assim, a venda de coisa incerta, indicada ao menos pelo gênero e pela quantidade (art. 243), que será determinada pela escolha, bem como a venda alternativa, cuja indeterminação cessa com a concentração, nos termos do art. 252.
c) Forma prescrita ou não defesa em lei – para a validade do contrato, a lei previu, como regra, a liberalidade das formas (art. 107). Entretanto, em alguns casos, a lei determina forma específica, como no caso de compra e venda de imóveis de valor superior a 30 salários, quando deverá ser feita por escritura pública, sob pena de nulidade. Quando a lei exige forma expressa chama-se de ad solemnitatem, e quando a forma exigida visa facilitar a prova do ato, chama-se ad probationem tantum (ex: lavratura do assento de casamento – art. 1.536).
3. ELEMENTOS ACIDENTAIS
3.1. Introdução
Além dos elementos essenciais, que constituem requisitos de existência e validade do negócio jurídico, pos este conter outros elementos meramente acidentais, introduzidos facultativamente pela vontade das partes, não necessários à sua existência (uma vez convencionados, passam, porém, a integrá-lo, de forma indissociável). São três os elementos acidentais: a condição, o termo e o encargo.
Essas convenções acessórias constituem autolimitações da vontade e são admitidas nos atos de natureza patrimonial em geral (com algumas exceções, como na aceitação e renúncia da herança), mas não podem integrar os de caráter eminentemente personalíssimos, como os direitos de família puros e os direitos personalíssimos.
3.2. Condição
Nos termos do art. 121, é “a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto”. Como já dito, existem negócios que não admitem a condição: casamento, reconhecimento de filho, aceitação ou renúncia de herança etc. Em razão da expressão “derivando exclusivamente da vontade das partes”, não existe condição legal, pois, caso isso ocorra, ela deixa de ser condição para ser pressuposto ou requisito do negócio. Os requisitos, portanto, para que se configure o negócio condicional são:
a) Voluntariedade – não deriva da lei.
b) Incerteza – se o acontecimento for certo (ex: a morte), passa a ser um termo.
c) Futuridade – não se considera condição o fato passado ou presente. Muito embora a condição passada ou presente seja denominada de imprópria, na realidade não constitui propriamente condição.
Podemos classificar as condições da seguinte forma:
a) Quanto à licitude – a condição pode ser (art. 122):
ð Lícita – não contraria a lei, a ordem pública e os bons costumes.
ð Ilícita – contraria a lei, a ordem pública e os bons costumes. São também ilícitas as condições perplexas ou contraditórias (que privam de todo efeito o negócio jurídico) e as puramente potestativas (que sujeitam o efeito do negócio jurídico ao puro arbítrio de uma das partes). As condições ilícitas (ou de fazer coisa ilícita), sejam suspensivas ou resolutivas, invalidam o negócio jurídico (o mesmo ocorre com as contraditórias e as incompreensíveis).
b) Quanto à possibilidade
ð Impossíveis – podem ser fisicamente impossíveis, quando não podem ser cumpridas por nenhum ser humano, ou juridicamente impossíveis, quando esbarra em proibição do ordenamento jurídico (a juridicamente impossível se distingue da ilícita porque esta é mais ampla, e porque aquilo que é ilícito não é impossível de ser feito). As condições física ou juridicamente impossíveis, quando suspensivas, invalidam o negócio jurídico; todavia, serão tidas por inexistentes as condições impossíveis (ou de não fazer coisa impossível), quando resolutivas.
ð Possíveis.
c) Quanto à fonte de onde se originam
ð Casuais – dependem unicamente do acaso.
ð Potestativas – dependem do arbítrio de uma das partes. Podem ser puramente potestativas (será ilícita, pois os efeitos do ato ficam ao puro arbítrio de uma das partes – cláusula si voluero), ou simplesmente potestativa (não são proibidas, pois, apesar de decorrer da vontade de uma das partes, também depende de outros eventos).
ð Mistas – além de depender da vontade de uma das partes, o seu cumprimento também depende da vontade de terceiro (ex: dar-te-ei tal quantia se casares com tal pessoa).
ð Perplexas – nos termos do art. 122, são as que privarem de todo efeito o negócio jurídico.
ð Promíscua – é aquela que inicialmente era puramente potestativa, mas que se transforma em simplesmente potestativa, em razão de fatos supervenientes.
d) Quanto ao modo de atuação
ð Suspensivas – impede a aquisição e o exercício do direito (art. 125), enquanto não ela não se verificar. Assim, enquanto não ocorrer a condição ela será pendente; se ela for cumprida, considera-se implementada; se não for cumprida, considera-se frustrada. A pessoa que é titular de direito eventual, enquanto não cumprida a condição, pode adotar atos para a conservação do bem (art. 130).
ð Resolutiva – não impede nem a aquisição nem o exercício do direito, mas o seu implemento extingue o negócio jurídico (art. 127, I). A condição resolutiva pode ser expressa ou tácita. Nos termos do art. 474, a expressa se opera de pleno direito e a tácita, presumida em todos os contratos bilaterais (art. 475) depende de interpelação, sendo denominada de conditiones juris.
Nos termos do art. 126, “se alguém dispuser de uma coisa sob condição suspensiva, e, pendente esta, fizer quanto àquela novas disposições, estas não terão valor, realizada a condição, se com ela forem incompatíveis”. Ex: doação sob condição suspensiva e posterior oferecimento em do bem em penhor a terceiro; realizada a condição, extingue-se o penhor. Trata-se da aplicação do princípio da retroatividade das condições, reafirmado pelo art. 1.359.
3.3. Termo
É a cláusula que subordina a eficácia do negócio jurídico a evento futuro e certo, e, geralmente, termo é o dia em que começa (termo inicial ou dies a quo) ou se extingue (termo final ou dies ad quem) a eficácia do negócio jurídico. Pode ocorrer de o termo, embora certo e inevitável no futuro, seja incerto quando à data de sua verificação (não se trata de evento futuro e incerto, mas apenas incerteza quanto à data, posto que ocorrerá, inevitavelmente). Assim, sob este aspecto, diz-se que o termo, embora seja sempre um evento futuro e certo, pode ser certo (ex: uma data) ou incerto (ex: a morte).
O termo inicial suspende apenas o exercício, mas não a aquisição do direito (art. 131), e, por suspender o exercício, assemelha-se à condição suspensiva, que produz também tal efeito. Diferem, no entanto, porque a condição suspensiva, além de suspender o exercício do direito, suspende também a aquisição (o termo não suspende a aquisição do direito mas somente protela o seu exercício). A segunda diferença já foi apontada: na condição suspensiva, o evento do qual depende a eficácia do ato é futuro e incerto, enquanto que o termo é futuro e certo. Em razão de tal semelhança, dispõe o art. 135 que “ao termo inicial e final aplicam-se, no que couber, as disposições relativas à condição suspensiva e resolutiva”.
Termo não se confunde com prazo. Este é o intervalo entre o termo inicial e o final, regulamentado nos arts. 132 a 134. Vejamos os dispositivos:
Art. 132. Salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do vencimento.
§ 1o Se o dia do vencimento cair em feriado, considerar-se-á prorrogado o prazo até o seguinte dia útil.
§ 2o Meado considera-se, em qualquer mês, o seu décimo quinto dia.
§ 3o Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência.
§ 4o Os prazos fixados por hora contar-se-ão de minuto a minuto.
Art. 133. Nos testamentos, presume-se o prazo em favor do herdeiro, e, nos contratos, em proveito do devedor, salvo, quanto a esses, se do teor do instrumento, ou das circunstâncias, resultar que se estabeleceu a benefício do credor, ou de ambos os contratantes.
Art. 134. Os negócios jurídicos entre vivos, sem prazo, são exeqüíveis desde logo, salvo se a execução tiver de ser feita em lugar diverso ou depender de tempo.
O art. 133 permite que o devedor renuncie ao prazo e antecipe o pagamento da dívida, sem que o credor possa impedi-lo. No entanto, se das circunstâncias ou do contrato resultar que o prazo se estabeleceu em benefício do credor ou de ambos, tal renúncia não poderá ocorrer sem a anuência do credor, salvo se a avença for regida pelo CDC, pois, tratando-se de relação de consumo, o CDC permite, sem distinção, a liquidação antecipada do débito, com redução promocional dos juros (art. 52)
3.4. Encargo (ou Modo)
Trata-se de uma cláusula acessória às liberalidades (doações, testamentos), pela qual se impõe um ônus ou obrigação ao beneficiário (é admissível, também, em declarações unilaterais de vontade, como na promessa de recompensa). Nos termos do art. 136, “o encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito (…)”, razão pela qual, aberta a sucessão, o domínio e a posse dos bens transmitem-se desde logo aos herdeiros, com obrigação, porém, de cumprir o encargo.
Dispõe o art. 553 que “o donatário é obrigado a cumprir os encargos da doação, caso forem a benefício do doador, de terceiro, ou do interesse geral”. Ainda, acrescenta o parágrafo único que “se desta última espécie for o encargo, o Ministério Público poderá exigir sua execução, depois da morte do doador, se este não tiver feito”. O art. 1.938 acresce que ao legatário, nos legados com encargo, aplica-se o disposto quando às doações de igual natureza, o mesmo acontecendo com o substituto (art. 1.949). E o art. 562 prevê que a doação onerosa pode ser revogada por inexecução do encargo, se o donatário incorrer em mora (tal dispositivo aplica-se às liberalidades causa mortis). O terceiro beneficiário pode exigir o cumprimento do encargo, mas não está legitimado a propor ação revocatória (esta é privativa do instituidor, podendo os herdeiros apenas prosseguir na ação por ele intentada).
A condição resolutiva se assemelha do encargo porque não impede a aquisição nem o exercício do direito. Todavia, a diferença é que a condição resolutiva se opera de pleno direito, enquanto que o encargo depende de uma ação, como por exemplo, notificação para constituição em mora. A sentença, quando se tratar de encargo será desconstitutiva com efeitos ex nunc. O encargo difere da condição suspensiva porque esta impede tanto a aquisição quanto o exercício do direito. Mas vale dizer que o encargo pode ser imposto como condição suspensiva e com efeitos próprios deste elemento acidental, desde que tal disposição seja expressa (art. 136, 2ª parte).
Finalmente, nos termos do art. 137, “considera-se não escrito o encargo ilícito ou impossível, salvo se constituir o motivo determinante da liberalidade, caso em que invalida o negócio jurídico”.
4. DEFEITO DO NEGÓCIO JURÍDICO
4.1. Introdução
São hipóteses em que a vontade da parte se manifesta com algum vício que torne o negócio jurídico anulável. O código enumera, a partir do art. 138, seis defeitos: erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores. Estes defeitos são classificados de duas formas distintas:
a) Vícios do consentimento – provocam, realmente, uma manifestação de vontade não correspondente com o íntimo querer do agente, ou seja, criam uma divergência entre a vontade manifestada e a real intenção de quem a exteriorizou. São vícios do consentimento: erro, dolo, coação, estado de perigo e lesão.
b) Vícios sociais – a vontade manifestada corresponde exatamente ao desejo da parte, todavia ela é exteriorizada com a intenção de prejudicar terceiros. Aqui se encaixa a fraude contra credores e a simulação. Quanto à esta última, o novo código trouxe importante alteração: ela é uma invalidade do negócio jurídico, ou seja, uma vez presente a simulação, o negócio é nulo (art. 167), e não apenas anulável como era no código anterior.
É de 4 anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico contraído com algum defeito, contado: a) no caso de coação, do dia em que ela cessar; b) no caso de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico.
4.2. Erro (ou Ignorância)
Trata-se de imaginação do contratante, que não é influenciado por ninguém, já que ele próprio supõe se tratar de algo que, na realidade, é diferente do que imagina. Em outras palavras, no erro, o agente engana-se sozinho. Por outro lado, quando é induzido em erro, caracteriza-se o dolo. O código equiparou os efeitos do erro (falsa idéia da realidade) à ignorância (completo desconhecimento da realidade).
De acordo com o art. 138, não é qualquer espécie de erro que torna anulável o negócio jurídico. Para tanto, o erro deve ser substancial (ou essencial), escusável e real. Assim, vejamos cada um dos requisitos:
a) Substancial – é o que diz respeito a aspectos relevantes do negócio, e que, se fossem conhecidos do sujeito, não teria contratado. Em outras palavras, o erro há de ser a causa determinante do negócio (se conhecida a realidade o negócio não seria celebrado). Não basta o erro acidental, que é o oposto do substancial, referindo-se a circunstâncias de menor importância e que não acarretam efetivo prejuízo (no erro acidental, se conhecida a realidade, mesmo assim o negócio seria realizado). Nos termos do art. 139, o erro é substancial quando:
ð Interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais.
ð Concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante.
ð Sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio.
b) Escusável – é o erro desculpável, justificável, ou seja, todos naquela situação também o cometeriam. O erro grosseiro, decorrente do não emprego da diligência ordinária, não admite a anulação do negócio. Dois critérios existem para a aferição da escusabilidade: 1) do homem médio (subjetivo); 2) do caso concreto (objetivo) – este leva em contra as condições pessoais do agente. O art. 138 adotou o critério do homem médio (homo medius), devendo-se comparar a conduta do agente com a da média das pessoas. Vale dizer que o critério do caso concreto foi adotado para a aferição da gravidade da coação (art. 152).
c) Real (ou efetivo) – o erro, para anular o negócio, deve ser causador de real prejuízo para o interessado (ex: o erro sobre o ano de fabricação do veículo é substancial e real). Aqui também se aplica a ressalva feita ao erro acidental, que não autoriza a anulação do negócio (ex: erro apenas quanto à cor do veículo).
Erro e vícios redibitórios – embora a teoria dos vícios redibitórios se assente na existência de um erro e guarde semelhança com este quanto às qualidades essenciais do objeto, não se confundem os dois institutos, pelos seguintes motivos:
a) Natureza – o vício redibitório é erro objetivo sobre a coisa, que contém um defeito oculto. O erro quanto às qualidades essenciais do objeto é de ordem subjetiva, pois reside na manifestação de vontade.
b) Fundamento – é a obrigação que a lei impõe a todo alienante de garantir ao adquirente o uso da coisa.
c) Ações – provado o defeito oculto, acabem ações edilícias (redibitória e quanti minoris, respectivamente para rescindir o contrato e pedir o abatimento do preço). O erro dá ensejo à propositura de ação anulatória.
d) Prazo – é decadencial o prazo para as ações edilícias (30 dias se móvel, ou 1 ano, se imóvel). O prazo para a propositura de ação anulatória também é decadencial, porém, de 4 anos.
Erro impróprio (ou obstativo) – o direito alemão considera tão grave o erro sobre a natureza do negócio e sobre o objeto principal da declaração que nem os considera vícios do consentimento. São chamados de erro impróprio (obstativo), pois impedem ou obstam a própria formação do negócio, que se considera inexistente. No direito brasileiro, porém, não se faz essa distinção, pois se considera o erro, qualquer que seja a hipótese (desde que seja substancial), vício de consentimento e causa anulabilidade.
Interesse negativo – é o interesse do contratante inocente, que não quer que o negócio seja desfeito, pois não interferiu, nem influenciou no erro do outro. Ou seja, o interesse negativo decorre do fato de o vendedor ver-se surpreendido com uma ação anulatória, julgada procedente, com os consectários da sucumbência, sem que tenha concorrido para o erro do outro contratante. Não há regulamentação expressa no código civil brasileiro, todavia, poderá o declaratário evitar a anulação, caso se ofereça para executar a avença na conformidade da vontade real do manifestante, se lhe for possível, nos termos do art. 144. Além disso, o interesse negativo pode ser alegado pelo inocente e, inclusive, já foi reconhecida a possibilidade de indenização ao contratante inocente.
Quanto ao erro, podemos ainda destacar o seguinte:
a) Falso motivo (art. 140) – ao se realizar um negócio, o motivo deste não precisa ser mencionado, e, inclusive, o código civil a ele não se refere, a não ser excepcionalmente, no art. 140, dispondo que “o falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante”. O falso motivo é um erro acidental, todavia, quando for a razão determinante, será elevado à condição de erro relevante, permitindo a anulação (ex: testamento com expressa declaração do motivo, qual seja, a filiação ou o parentesco, que entretanto se revela, posteriormente, falso).
b) Transmissão errônea da vontade (art. 141) – também é anulável nos mesmos casos em que o é a declaração da vontade. Ou seja, se o declarante não se encontra na presença do declaratário e se vale de um intermediário ou de um meio de comunicação e a transmissão da vontade, nesses casos, não se faz com fidelidade, caracteriza-se o vício que propicia a anulação do negócio.
c) Erro na indicação da pessoa ou da coisa (art. 142) – não viciará o negócio quando, por seu contexto e pelas circunstâncias, se puder identificar a coisa ou a pessoa cogitada (trata-se de erro acidental ou sanável). Regra semelhante está contida no direito das sucessões (art. 1.903).
d) Erro de cálculo (art. 143) – não enseja anulação, mas apenas correção.
4.3.Dolo
É o induzimento malicioso de alguém à prática de um ato que lhe é prejudicial, mas proveitoso ao autor do dolo ou a terceiro. O dolo pode ser:
a) Principal – quando o negócio jurídico foi realizado apenas em função do dolo. Assim, nos termos do art. 145, “são os negócios anuláveis por dolo, quando este for a sua causa”.
b) Acidental – é o dolo que diz respeito à forma em que se deu o negócio, e não à causa. Nos termos do art. 146 “é acidental quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo”. Nestes casos, diz aquele artigo que “o dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos”.
c) Dolo bonus e dolo malus – o primeiro é o dolo tolerável no comércio em geral, sendo considerado normal, e até esperado, o fato de os comerciantes exagerarem as qualidades das mercadorias, não autorizando, portanto, a anulação do negócio realizado. Por outro lado, o dolus malus é o que objetiva causar efetivo prejuízo à vítima, permitindo a anulação, pois a pessoa age de má-fé.
d) Dolo positivo e dolo negativo – o dolo tanto pode ser praticado por ação (dolo positivo) como por omissão (dolo negativo, reticência ou omissão dolosa). Este último é definido no art. 147 como o silêncio intencional. Assim, provando-se que sem a omissão o negócio não se teria celebrado, pode haver anulação, em razão do princípio da boa-fé.
e) Dolo bilateral – é o dolo proveniente de ambas as partes, pois cada qual quis prejudicar a outra. Nos termos do art. 150, se ambas têm culpa, nenhuma delas pode pleitear a anulação do negócio, ou reclamar indenização. Há uma compensação, porque ninguém pode valer-se da própria torpeza (nemo auditur propriam turpitudinem allegans).
f) Dolo da parte e de terceiro – o dolo pode ser proveniente do outro contratante ou de terceiro, estranho ao negócio (art. 148). O dolo de terceiro, no entanto, somente ensejará a anulação do negócio, se a parte a quem aproveite dele tivesse conhecimento. Entretanto, se a parte beneficiada não soube do dolo de terceiro, não se anula o negócio, mas o lesado poderá reclamar perdas e danos do autor do dolo, pois este praticou um ato ilícito.
g) Dolo da parte e do representante (art. 149) – a vítima pode, além de anular o negócio (se o dolo for a causa determinante), requerer indenização. Aquele artigo distingue o representante legal do convencional, mas em ambos os casos, o representante responde como autor do dolo. Todavia, tratando-se de representante legal, o representado só está obrigado a responder até a importância do proveito que teve; por outro lado, sendo convencional a representação, o representado responde solidariamente pela indenização, por ter escolhido mal o mandatário.
h) Dolo de aproveitamento – constitui o elemento subjetivo de outro defeito do negócio jurídico, que é a lesão, como se verá em momento oportuno.
4.4. Coação
Coação é toda ameaça ou pressão exercida sobre um indivíduo para forçá-lo, contra a sua vontade, a praticar um ato ou realizar um negócio (o que caracteriza a coação é o emprego da violência psicológica para viciar a vontade). Distingue-se a coação em:
a) Absoluta (física ou vis absoluta) – é o emprego de força física. Neste caso não há, sequer, a manifestação de vontade, razão pela qual o negócio é considerado inexistente, pois lhe falta requisito de existência do ato (vontade).
b) Relativa (moral ou vis compulsiva) – há emprego de grave ameaça, na qual a vítima deve escolher entre ceder à ameaça, sofrendo um prejuízo com a realização do negócio, ou escolher resistir à ameaça, correndo o risco de ela se concretizar. Segundo o código, somente a violência moral é causa de anulação do negócio. A anulação deve ser pleiteada no prazo de 4 anos a contar do dia em que a coação cessar.
A doutrina faz a distinção entre coação principal e acidental. Assim, a coação principal seria a causa determinante do negócio, autorizando a anulação; por outro lado, coação acidental é aquela que influencia apenas nas condições da avença (sem ela o negócio teria sido realizado, mas de outro modo), permitindo apenas, perdas e danos.
Nem toda ameaça, entretanto, configura coação. O art. 151, desta forma, especifica os requisitos para que a coação possa viciar o consentimento. São eles:
a) Deve ser a causa do negócio – o negócio só se deu devido à coação, ou seja, deve haver uma relação de causalidade entre a coação e o ato extorquido. Em outras palavras, sem a coação o negócio não se teria concretizado.
b) Deve ser grave – será grave quando incutir ao paciente um fundado temor iminente de dano a bem que considera relevante. Para aferir a gravidade ou não da coação, não se considera o critério do homem médio (utilizado no erro). Assim, nos termos do art. 152, segue-se o critério do caso concreto. Quanto ao temor reverencial, de acordo com a parte final do art. 153, não é considerado coação quando for “simples” (este vocábulo evidencia que o temor reverencial não vicia a vontade quando desacompanhado de outros atos de violência; assim, pode, entretanto, haver coação se acompanhado de ameaças).
c) Deve ser injusta – ou seja, a ameaça deve ser ilícita, contrária ao direito, abusiva, razão pela qual não é coação a ameaça do exercício normal de um direito (art. 153, 1ª parte). É o caso do credor que ameaça protestar ou executar o título.
d) Deve ser de dano atual ou iminente.
e) Deve acarretar justo receio de dano.
f) Deve constituir ameaça de prejuízo à pessoa ou a bens da vítima, ou a pessoas de sua família – o termo família compreende a união estável. Vale dizer que o parágrafo único do art. 151 permite que o juiz considere haver coação ainda que a pessoa não seja da família da vítima.
Coação de terceiro (arts. 154 e 155) – aplicam-se as regras relativas ao dolo. Assim, se o beneficiado pela coação tinha ou devesse ter conhecimento da ameaça, o negócio é anulável; por outro lado, se o beneficiado não tinha ou devesse ter conhecimento da ameaça, não há que se falar em anulação, mas apenas em perdas e danos a ser paga pelo responsável pela coação.
4.5. Estado de Perigo
Configura-se quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa (tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias). Em outras palavras, há estado de perigo quando uma pessoa assume obrigação muito onerosa em razão de um estado de necessidade (ex: pessoa que está se afogando e, desesperada, promete toda sua fortuna para ser salva).
O estado de perigo assemelha-se da lesão, pois em ambos os casos a vítima age premida por uma necessidade. Mas há várias diferenças:
a) No estado de perigo, a necessidade é para salvar a própria vida ou a vida de alguém de sua família, enquanto que na lesão a necessidade é para salvar seu patrimônio.
b) Na lesão há desequilíbrio de prestações (ambas as partes têm prestação), enquanto que no estado de perigo pode haver negócio unilateral em que a prestação assumida seja unicamente da vítima (ex: promessa de recompensa, doação), não se admitindo suplementação para a validação do negócio.
c) Para a caracterização da lesão, não se exige que a outra parte saiba da necessidade ou da inexperiência do lesado (não se exige o dolo de aproveitamento), enquanto no estado de necessidade tal ciência é considerada requisito essencial para sua configuração.
O código civil, como se sabe, adotou a tese de que, havendo estado de perigo, o negócio jurídico deve ser anulado. A doutrina entende que esta não é a melhor solução, pois, para alguns, a pessoa que seria beneficiada, e que não provocou a situação de perigo, será prejudicada, razão pela qual propõem uma solução equânime (nem se mantém o contrato integralmente, nem se anula): o juiz deveria reduzir o valor do pagamento ao justo limite pelo serviço prestado. Todavia, não é essa a solução dada pelo código, que considera anulável o negócio. Mas vale dizer que o negócio somente será anulado se a obrigação assumida for excessivamente onerosa.
4.6. Lesão
Configura-se quando alguém obtém lucro exagerado, desproporcional, aproveitando-se da inexperiência ou da situação de necessidade do outro contratante. Nos termos do art. 157, há lesão “quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta”. Só há lesão quando a prestação desproporcional o for de forma manifesta.
O contrato será anulado mesmo que o outro contratante não tenha tido conhecimento das condições de necessidade ou inexperiência do outro, pois o código não se preocupa em punir a atitude maliciosa do favorecido. Assim, chama-se lesão usurária aquela em que, para sua configuração, é exigido o induzimento da parte beneficiada para a realização do negócio, ou que ela tivesse conhecimento da premente necessidade ou inexperiência da vítima (é o chamado dolo de aproveitamento). No Brasil, como já se disse, não se exige o dolo de aproveitamento, caracterizando-se a lesão apenas com os elementos objetivo (lucro desproporcional) e subjetivo (premente necessidade).
Nos termos do § 2º do art. 157, o beneficiário da lesão pode impedir a anulação do negócio se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito. Assim, ao invés de o lesado pleitear a anulação do contrato, pode ele tentar a sua revisão. Todavia, mesmo que escolha a anulação, será facultado ao outro contratante ilidir a pretensão mediante o referido suplemento.
4.7. Fraude Contra Credores
Apesar tornar o contrato anulável, trata-se de um vício social, pois é praticada com o intuito de prejudicar terceiros (credores). Baseia-se no princípio da responsabilidade patrimonial, segundo o qual, o patrimônio do devedor constitui a garantia real dos credores, e se ele o desfalca maliciosa e substancialmente, a ponto de não garantir mais o pagamento de todas as dívidas, tornando-se insolvente, com o seu passivo superando o ativo, configura-se a fraude contra credores. Assim, somente haverá fraude contra credores se o devedor já for ou tornar-se insolvente em razão do desfalque, e a anulação do negócio se dá pela chamada ação pauliana (ou revocatória).
É importante observar que, ainda que o devedor seja insolvente, pode o negócio jurídico não ser anulado, se não ficarem comprovados os requisitos para a configuração da fraude contra credores, que são:
a) Consilium fraudis (conluio fraudulento) – trata-se da má-fé do adquirente (elemento subjetivo), necessária para a anulação. Ao tratar da fraude contra credores, o legislador teve de optar entre proteger o interesse dos credores ou o do adquirente de boa-fé. Assim, este terá seu interesse preservado se desconhecia a insolvência do alienante, nem tinha motivos para conhecê-la. Por outro lado, o credor somente logrará invalidar a alienação, preservando seus interesses, se provar a má-fé do terceiro adquirente. Não se exige, no entanto, que o adquirente esteja mancomunado ou conluiado com o alienante, bastando a prova da ciência da sua situação de insolvência.
ð Má-fé presumida (art. 159) – presume-se a má-fé do adquirente quando a insolvência do alienante for notória ou quando houver motivo para ser conhecida do primeiro.
b) Eventus damni (elemento objetivo) – é o prejuízo decorrente da insolvência. Ou seja, o autor da ação anulatória tem assim o ônus de provar, nas transmissões onerosas, o eventus damni e o consilium fraudis.
A fraude contra credores pode ocorrer nas seguintes hipóteses:
Alienações onerosas
Alienações a título gratuito e remissão de dívidas
Pagamento de dívida não vencida, quando já insolvente
Concessão de garantia especial a credor quirografário, quando já solvente
No caso de alienação onerosa, a ação pauliana somente será procedente se os credores demonstrarem a má-fé do terceiro adquirente, pois o CC/02 prestigiou a boa-fé do terceiro. Em suma: nas alienações onerosas o terceiro, em princípio, está protegido. Todavia, em alguns casos a má-fé é presumida.
A ação pauliana, segundo o CC/02, tem natureza jurídica de ação constitutiva negativa (desconstitutiva), e deve ser proposta em face do devedor e do terceiro adquirente, devendo-se provar a má-fé (art. 161). Nos termos do art. 158, possuem legitimidade ativa os credores quirografários, que já eram credores antes da alienação fraudulenta. Credor quirografário é aquele que não possui garantia real. Todavia, o § 1º daquele artigo permite que a ação seja ajuizada por aquele que tem garantia real, mas somente quando a garantia for insuficiente.
O art. 164 prevê situações nas quais a boa-fé é presumida, tornando válidas as alienações: é presumida a boa-fé nos negócios ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural, ou industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família.
Fraude não consumada (art. 160) – quando o adquirente de bens de devedor insolvente deposita o preço em juízo, citando todos os interessados. O preço deve ser, aproximadamente, o corrente.
Vejamos as diferenças entre fraude contra credores e fraude à execução:
FRAUDE CONTRA CREDORES
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FRAUDE À EXECUÇÃO
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1. defeito do negócio de natureza material, regulado pelo direito privado.
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1. incidente de natureza processual, regido pelo direito público.
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2. configura-se quando ainda não há qualquer demanda contra o devedor, ainda que tenha títulos protestados.
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2. pressupõe demanda em andamento (art. 593, CPC), ainda que de conhecimento
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3. depende da ação pauliana. A súmula 195 do STJ diz que não pode ser reconhecida em embargos de terceiro
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3. pode ser reconhecida incidentalmente, por simples requerimento da parte.
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4. exige prova da má-fé (consilium fraudis), nas alienações onerosas.
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4. dispensa a má-fé
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5. torna o negócio anulável, voltando o bem ao patrimônio do devedor
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5. torna ineficaz o negócio em relação aos credores. Há responsabilidade patrimonial de terceiro.
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8. SIMULAÇÃO
Não se trata de defeito do negócio jurídico, pois o CC/02 tratou como causa de nulidade, que pode ser reconhecida a qualquer tempo. Trata-se de uma declaração enganosa de vontade, para dar ao negócio uma aparência diversa da realidade. É um fingimento, visando fraudar a lei ou prejudicar terceiros (estes não possuem qualquer participação). A simulação pode ser:
Absoluta – os simuladores não realizam nenhum negócio verdadeiro, mas apenas fingem. Descobrindo-se a simulação deve-se ajuizar ação declaratória de nulidade.
Relativa – há dois negócios, sendo um aparente, simulado, e outro oculto, dissimulado, porém verdadeiro. Descobrindo-se a simulação, deve-se anular o primeiro negócio, ou seja, o simulado. Quando ao negócio dissimulado, somente será anulado se for ilícito (art. 167).
Dissimulação significa ocultar o que é verdadeiro, enquanto que simulação é um fingimento, na qual tenta-se dar a característica de verdadeiro àquilo que não o é.
A simulação pode ainda ser:
Fraudulenta – quando os simuladores têm intenção de fraudar a lei ou prejudicar terceiros.
Inocente – não existem aquelas intenções. Somente é anulada quando ilícita.
PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA
1. INTRODUÇÃO
São institutos ligados ao decurso do tempo, mas a prescrição pode ser tratada sob dois aspectos: prescrição extintiva e aquisitiva (usucapião). Trataremos apenas da extintiva.
O CC/02 trouxe inovações, pois diferenciou os prazos de prescrição e decadência. Além disso, alterou prazos prescricionais: a prescrição geral passou a ser de 10 anos (art. 205), que será observada caso não haja prazo específico no art. 206; o legislador definiu prescrição, dizendo que é a extinção da pretensão. Vale dizer que fora dos arts. 205 e 206 os prazos são de decadência.
2. PRETENSÕES IMPRESCRITÍVEIS
Pretensões que protegem direitos da personalidade (ex. direito à vida, liberdade)
Pretensões que dizem respeito ao estado civil (ex. separação judicial, divórcio, investigação de paternidade).
Pretensões que protegem bens públicos
Pretensões que protegem direitos de propriedade, que é perpétuo
Pretensões de exercício facultativo (ex. ação de divisão, demarcatória)
Pretensões de reaver bens deixados em confiança de outrem
3. DECADÊNCIA
Sua ocorrência atinge o próprio direito e não a ação. Diferentemente da prescrição, que só resulta da lei, a decadência pode surgir da lei, da vontade das partes, ou de testamento, razão pela qual pode ela ser legal ou convencional. Nos termos do art. 210, o juiz somente pode reconhecer de ofício a decadência legal, diferentemente da prescrição patrimonial, que, em regra, não pode ser reconhecida de ofício, salvo se em favor de absolutamente incapaz. Em regra a decadência não se suspende nem se interrompe, salvo se a lei dispuser de forma contrária (ex. art. 26, § 2º do CDC).
4. DISPOSIÇÕES GERAIS SOBRE A PRESCRIÇÃO
a. Art. 189 – define a prescrição, dizendo que atinge a pretensão, e não a ação. Diz ainda que os prazos prescricionais são os dos arts. 205 e 206, e o que ali não estiver será prazo decadencial.
b. Art. 190 – diz que a exceção se extingue no mesmo prazo da pretensão. A exceção tratada neste dispositivo se refere às defesas de direito material (ex. exceção de contrato não cumprido).
c. Art. 191 – diz que a prescrição pode ser renunciada, de forma expressa ou tácita, mas apenas após a consumação da prescrição. Trata-se da renúncia ao direito de alegar prescrição.
Antigamente, utilizava-se a técnica denominada “docimasia hidrostática de Galeno”, extraindo-se os pulmões do que morreu durante o parto e colocando-o em um recipiente com água. Se não afundassem, era porque tinham inflado com a respiração, concluindo-se que o recém-nascido vivera.
Nos termos do art. 44, § 1º, “são livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento”.
A expressão “inclusive as associações públicas” foi inserida pela Lei 11.107/05, que dispôs sobre os consórcios públicos, dizendo que eles podem ser constituídos sob a forma de associações públicas ou pessoas jurídicas de direito privado. Sendo assim, caso os consórcios públicos se constituam sob a forma de associação pública, integrarão a administração pública indireta.
[4] “A renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento público ou termo judicial”.
[5] “Até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus melhoramentos e acrescidos, pelos quais poderá exigir aumento no preço; se o credor não anuir, poderá o devedor resolver a obrigação”.